Vivemos cansados, e esta é uma verdade que se exibe a cada dia mais esticada. Até onde chegaremos sem uma solução? Às vezes me surpreendo olhando meus pares de vida e vejo todo mundo correndo de cá pra lá, todos com compromissos atrasados, tudo muito coerente com a força da expressão britânica “time is Money”. Convidei-me a pensar minha imagem projetada nessas agendas contemporâneas e me vi confrontando a relação entre o tempo emocional e o físico. E achei que vivemos uma fase doente. Comecei o diagnóstico do mal pela “máquina de medir o tempo” como diria Vitor Hugo. Será que a culpa é do aparelho?

E considerei bizarras algumas manias atuais como o preço de alguns relógios e a prática de colecionadores desse objeto tão passível de juízo. Coisa estranha o relógio, pensei. Foi assim que dei corda nessa invenção e aprendi que no Egito, já em 1500 a.C., media-se o tempo com sombras solares. Lembrei-me das ampulhetas medievais e avaliei o significado dos pesos e engrenagens usados para precisar os marcadores mecânicos. Ocorreu-me o sucesso dos relógios de pêndulos na Inglaterra vitoriana que colocava a pontualidade como virtude civilizada. Ao mesmo tempo, prezei o significado metafórico dos relógios de pulso, aqueles dispositivos carregados à mão. De um ou de outro jeito ficou aceitável que a luta pela precisão explica a obsessão por medições de quartzo, ou mesmo relógios atômicos movidos pela vibração dos átomos.

A história dos relógios permitiu a passagem dos aparelhos para a significação metafórica e, então, me vi convocado à outra métrica. Como ponto de partida periodizei o cansaço coletivo a partir de uma referência recente, resposta à pandemia. Não que vivêssemos descansados antes do Covid 19, mas em termos de expressão coletiva foi depois da peste que parece chegada a hora marcada para o coletivo expressar manifestações como o burnout. Repararam como as síndromes do pânico e os processos depressivos cresceram? E que tal medirmos isso pelo aumento, nos dois últimos anos, de 5,2% de pessoas com animais domésticos, ou cerca de 3% do aumento de estabelecimentos que vendem produtos relacionados às plantas? Estranha a relação entre a solidão e raiva embutida.

Também é verdade que antes havia sondagens anunciando o nível de certas tensões com enfermidades e que o abuso promovido pela produtividade sem limite acabava por impor respostas dos corpos expostos a produtividade a qualquer preço. Em 1910, o sul-coreano Byung-Chul Han teve sua obra “A Sociedade do cansaço” lançada no Brasil e em páginas sóbrias relacionava o estresse às exigências extremas, sutis, impostas pela cultura da concorrência e premiação de vencedores. As cobranças sociais, em todos os níveis, a começar pelas próprias famílias, revelam a violência da positividade que seria responsável por produzir pessoas mecanizadas e centradas no que é essencial para um sistema capitalista: a busca pelo lucro. Transgredindo o tempo de gestação do atual estado emocional para o pós-pandemia, temos um quadro crônico, doente mesmo, acionado pelas pressões presentes em nossas mentes, regendo o convívio social.

As inefáveis polarizações políticas sempre existiram ao longo da história. Oposições se multiplicaram sempre em relação progressiva, mas o ódio coletivizado nunca atingiu graus tão consequentes e graves. É como se gestássemos o cansaço que no pós-evento viralizou-se pelos meios eletrônicos. Dentro de círculos familiares, de relações antes amistosas, em todos os espaços estamos fracionados. Sei de histórias de amores desfeitos, de brigas de pais e filhos, até de vizinhos que deixaram de se falar por questões ligadas à política. E passamos a culpar a política por situações que têm outros motores.

É fácil falar no reabastecimento do amor social, muito fácil aliás, mas de onde tirar seiva para alimentar a nova árvore da vida social? Por irônico que pareça, é na política que encontraremos saídas. Certamente não mudaremos o sistema capitalista que, afinal, é o cenário continuado de nossos comportamentos, mas podemos pensar em programas sociais em que personalismos sejam minorados. E tal mudança ideal virá por novas caras que, na renovação, deixem veicular programas que relativizem a concorrência e a competitividade. Quando se condena o neoliberalismo ou o estado mínimo, o que se propõe é um estado mais atuante em programas sociais, oportunidades e renovação.

Reabastecendo a utopia, o cansaço que nos assume apenas será sol brilhante no horizonte de uma nova juventude que com os mecanismos modernos saiba exercitar formas menos tensas de convívio, mais justas, com menores distâncias sociais. Quem sabe a energia da geração que desponta seja o relaxante necessário para aliviar o cansaço nosso de cada dia? Quem sabe?!