Dois aviões foram sequestrados do CTA no dia do golpe de estado que durou mais de duas décadas

              Eu me encontrava no CTA – Centro Técnico da Aeronáutica – em São José dos Campos, onde estudava e trabalhava no PMR, um centro de pesquisa de materiais raro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento. O Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) era a outra parte daquele CTA.

Era uma quarta-feira ensolarada. Havia um estranho clima no ar. Uma tristeza inexplicável. Poderia ser tudo diferente se houvesse internet, celular e aparelhos de TV em profusão. A gente só sabia o que alguém mais interessado contasse o que ouviu no radinho ou de outra pessoa. Os jornais impressos só traziam notícias velhas, que não eram tão velhas, mas não explicavam aquele clima.

O aeroporto só tinha uma pista de terra de onde partiam aviões de pequeno porte e rebocadores que colocavam no espaço os planadores silenciosos onde a gente podia ouvir os silvos que vinham do encontro do vento com as asas. Hoje, aquele espaço está ocupado pelo aeroporto de São José dos Campos (SJK) e com pistas de primeiro mundo, usadas pela Embraer que já foi estatal. Mas, em 1964 possuía uma única pista de terra.

Aeroporto SJK modernizado pertence à Aeronáutica

                  Naquele dia, percebemos um estranho movimento de militares e civis na pista de pouso e decolagem. Dois aviões estavam na posição de decolagem. De repente, notamos uma agitação maior. Uma parte do grupo se deslocou para o C47, versão militar do histórico DC3 que dominou a Ponte Aérea Rio/São Paulo por muitos anos. A outra parte, 4 ou 5 pessoas foram para um Beechcraft militar, conhecido como C45.

Enquanto o DC3 taxiava na cabeceira da pista, o outro avião ligava os motores e lentamente rumou na mesma direção. Foi nesse momento que vimos um automóvel Simca Chambord que apareceu em alta velocidade na parte mais baixa da estrada que dava acesso ao aeroporto. Podíamos ver que alguns militares que o ocupavam exibiam metralhadoras com os braços para fora do carro.

Quando o Beechcraft começou a correr na pista para alçar voo, o Simca Chambord entrou na pista no cabeceira oposta. Se a situação não mudasse, a colisão seria inevitável. Foram segundos que duraram uma eternidade. E para colorir mais a cena, os militares começaram a atirar em direção ao avião que acelerava ainda mais. A poucos metros um do outro, o avião arremeteu com força suficiente para passar por cima do automóvel. Ninguém foi ferido. Mas foram presos quando chegaram na base aérea de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

José Roberto Arantes de Almeida, expulso do ITA em 1964, assassinado em 1971

               Era o início de uma longa noite que durou 21 anos. O DC3 e o C45 voaram em direção ao Sul que, pelas notícias mais recentes, abrigaria núcleos legalistas comandados pelo então governador Leonel Brisolla. Pelo menos era o que dizia a emissora de rádio que transmitia notícias da rede legalista que civis e militares ouviam clandestinamente no PMR onde eu me encontrava. Acredito que foi a minha primeira experiência com aquele longo pesadelo que culminou com a notícia da prisão de todos os que embarcaram naquela fuga desesperada por defender um governo legitimamente eleito.

Capitão Mello, oficial aviador da Aeronáutica foi quem comando a repressão que foi desencadeada a seguir. Alunos do ITA como Raimundo Pereira e seu irmão Laísio, José Roberto Arantes que entrou na Física da USP e outros tantos foram expulsos, perseguidos e alguns como Zé Arantes assassinados pela ditadura que se instalou no Brasil.

Setembrada 1966: estudantes protestaram contra a ditadura e a política educacional

               Em 1966, eu conheci pessoalmente Coronel Mello como “colega” de escola na Economia da USP. Sua rapidíssima carreira em tão pouco tempo deve ter sido fruto de seu desempenho no golpe de 64. Apesar de frequentarmos a mesma sala onde ele assistia fardado as aulas, nunca nos falamos.

Em outubro de 1966, fui preso no largo da Concórdia, no Brás em Sampa, com mais de 400 estudantes cantando “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós”. Eis que no dia seguinte aparece o Cel Mello, devidamente fardado, para libertar seus “colegas” de faculdade depois de um longo discurso ideológico sobre a influência dos comunistas, como nossa colega Olga que teria vindo de Brasília para organizar os esquerdistas.

Mas essa é outra história,