Ao reassumir o Palácio do Bom Conselho, prefeito Ortiz Júnior encarna a vitória local do retrocesso político que tem marcado a história recente de nossas instituições controladas pelas novas oligarquias
Paulo de Tarso Venceslau
No meio da sessão do Supremo Tribunal Federal, quarta-feira, 16, a mais alta corte da Justiça brasileira, ocorreu um episódio esclarecedor. Ministro Gilmar Mendes, guia e orientador do seu colega Dias Toffoli, aquele ministro que foi petista de carteirinha mas nunca conseguiu ser aprovado em concurso para juiz, pediu vista ao processo depois de ter proferido seu voto.
Na sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de 24 de outubro que julgava embargos de declaração apresentados pela defesa do prefeito Ortiz Júnior, condenado pelo próprio TSE, Gilmar Mendes conseguiu transformá-lo em um novo julgamento de uma causa já julgada. Ou seja, um rejulgamento devidamente denunciado pelo ministro Herman Benjamin, relator naquele processo.
Essa manobra só foi possível por causa da substituição da ministra Maria Thereza de Assis Moura, que havia participado de todo o processo que culminou com a condenação em 1º de agosto, pelo ministro Napoleão Maia, cearense de Limoeiro, que se revelou um fiel seguidor do colega Gilmar Mendes, um tucano estrelado.
Baixaria no STF
Na sequência da sessão do STF de 16 de novembro, Lewandowski chamou de “inusitada” a posição de Gilmar que pediu vista após ter proferido seu voto. Imediatamente Gilmar rebateu, dizendo que Lewandowski é quem adota posições “heterodoxas”, como teria feito no Senado —alusão ao julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em agosto, quando a votação foi fatiada.
O bate-boca continuou: “Basta ver o que vossa excelência fez no Senado”, disse Gilmar. “Basta ver o que vossa excelência faz diariamente nos jornais”, respondeu Lewandowski.
“Faço, inclusive, para reparar os absurdos que vossa excelência faz”, replicou Gilmar. “Absurdo, não, vossa excelência retire o que disse, vossa excelência está faltando com decoro não é de hoje. Eu repilo, repilo qualquer… Vossa excelência, por favor, me esqueça”, disse Lewandowski.
“Não retiro”, concluiu Gilmar.
Diante do clima criado, ministra Cármen Lúcia, presidente do STF interrompeu a discussão e suspendeu o julgamento do recurso em razão do pedido de vista de Gilmar. A ministra havia explicado que, enquanto não for proclamado o resultado do julgamento, é permitido pedir vista.
A manobra de Gilmar é semelhante a do seu pupilo Toffoli que no dia 03 de novembro pediu vista suspendendo o julgamento de ação que pode impedir réu de assumir presidência, situação que enquadraria o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB).
Primeira conclusão, a suprema corte, hoje, é ocupada majoritariamente por pessoas que denigrem a Justiça brasileira. Um alto risco para nossa jovem democracia.
Outras conclusões
No Executivo, o impedimento da presidente Dilma, o envolvimento do presidente em exercício Michel Temer em denúncias que poderão leva-lo para o mesmo caminho da sua antecessora, e a probabilidade cada vez maior de o ex-presidente Lula fazer companhia para os ex-governadores fluminenses Sérgio Cabral (PMDB) e Anthony Garotinho (PR), em Curitiba, falam por si só.
Segunda conclusão, o Executivo é o pior exemplo que poderia ser apresentado para a sociedade civil, em especial para as jovens que irão governar o Brasil amanhã.
No Congresso Nacional, a cassação de Eduardo Cunha (PMDB) e as calhordices regimentais de Renan Calheiros para, de um lado, ameaçar juízes, procuradores e até a Polícia Federal com a possível aprovação a toque de caixa de legislação que os pune, e de outro, as manobras ostensivas para aprovar também a toque de caixa legislação que anistia o famigerado caixa 2 que abasteceu campanhas eleitorais com dinheiro sujo.
Terceira conclusão: apesar das prisões já realizadas principalmente pelas investigações realizadas pela Operação Lava a Jato, o Congresso Nacional tem dado uma prova concreta que o crime compensa.
O resultado desse tempero tem sido uma repulsa cada vez maior à política partidária, um dos pilares da democracia representativa. Um pequeno parêntese: a atual legislação, ao estabelecer um fundo partidário com recursos públicos, acabou transformando os partidos políticos em balcão de negócio, fortalecendo ainda mais a ojeriza à política.
Onde entra Ortiz Júnior
Costumo insistir, em linguagem estatística, que Taubaté pode ser uma amostra perfeita de um universo chamado Brasil. Uma amostra perfeita, pelo menos teoricamente, contém todas as características – e valores – do universo que se pretende analisar. Sua margem de erro seria residual.
Recentemente, vivemos situações que provariam essa tese. Apesar das diferenças, são enormes as semelhanças entre o que acontece em Brasília com o cotidiano da terra de Lobato. Lá, assistimos a novela do impeachment de Dilma. Aqui o de Ortiz Júnior. As manobras jurídicas foram praticamente as mesmas, provocando um embate entre especialistas e autoridades.
Lá, o vitorioso Michel Temer foi chamado de golpista e se transformou em refém de Renan Calheiros o “verdadeiro mandatário do Brasil, ostensivo mandante no país, afronta o Judiciário, manipula o Legislativo para que se conforme de vez em porão para defesa dos interesses individuais de senadores e deputados, subjuga o Executivo e faz com que o Palácio do Planalto trabalhe para ele. E temos aí a cloaca que cavamos para a vida pública entre nós”. (Carlos Andreazza, em O Globo de 15 de novembro)
Aqui, o vitorioso Ortiz Júnior retornou ao Palácio do Bom Conselho, mas não se sabe a que preço. As bancas de figurões do direito que o defendem não trabalham por valores com menos de seis numerais antes da vírgula. Seu patrimônio declarado à Justiça Eleitoral é de R$ 135 mil, formado por três casinha na rua Itanhaém no valor de R$ 45 mil cada, só perdendo em pobreza para Silvio Prado (PSOL) que declarou nada possuir.
Júnior não declarou sequer seu automóvel, por exemplo. Muito menos quem paga seus advogados. A solução desse mistério talvez possa esclarecer muita coisa. Afinal, diante de patrimônio tão exíguo para quem exibe publicamente padrão de vida bastante superior, poderia explicar a indisponibilidade de R$ 34.920.198,00 de seus bens estabelecido pelo juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo no processo nº 0045527-93.2012.8.26.0053 – Ação Civil de Improbidade Administrativa. Esse processo encontra-se concluso e poderá ser julgado a qualquer momento.
Péssimo exemplo
A mentira é o recurso mais empregado pelos políticos brasileiros, salvo raras exceções. Ortiz Júnior não se enquadra no quesito exceção. Em coletiva à imprensa na quinta-feira, 17, ele afirmou que uma grande injustiça havia sido reparada e que “isso [o processo jurídico] a partir de amanhã [sexta, 18] vai ser parte do passado e que o amanhã é um futuro de expectativas, de esperanças e com compromissos novos assumidos com a população”.
Rapaz culto e estudado, além de advogado Ortiz Júnior é historiador. O maior crime que pode ser cometido por um historiador é mentir consciente e deliberadamente. O prefeito sabe que mais cedo ou mais tarde os fatos virão à tona. Quando ocorrer, os maiores prejudicados serão os jovens que tentarão se espelhar no seu exemplo de até então bem-sucedido político.
Ortiz Júnior perdeu uma oportunidade que provavelmente não se repetirá. Poderia se consolidar como uma liderança capaz de conduzir Taubaté ao encontro de um futuro (cada vez mais) distante, porém real.
Porém, ao deixar-se seduzir pelo desejo doentio de tornar-se prefeito a qualquer custo Júnior abriu mão do seu projeto.
Por esse pequeno enorme detalhe, poderá passar o resto da vida à sombra da espada de Dâmocles empunhada pela Justiça sobre seu pescoço, consciente que o final é apenas uma questão de tempo.
Uma pena!