Mestre Sebe confessa que seria mais fácil encarar pessoas desconhecidas em episódios marcados pela tragicidade como é o caso das histórias de Paulo de Tarso Venceslau e Paulo Vieira de Souza, “orgulho e pena [que] se nos abraçam”…
Na ópera “Lohengrin” estreada e regida por Frans Liszt no ano de 1850, em Weimar, o compositor Richard Wagner musicou a saga de Percival e seu filho Lohengrin. Consta da trama que no século X, na região do antigo Ducado de Brabante que atualmente correspondente aos Países Baixos, havia uma donzela de nome Elza que, por questões matrimoniais e de interesses políticos, fora sentenciada até que seu amado a viesse salvar da cruel reclusão. Transformado em cisne, Lohengrin condicionou a libertação e o casamento a não pronúncia de seu nome verdadeiro. No fundo, todo enredo trata dos segredos contidos nos significados dos nomes. Pensei no sarcasmo dessa tradição germânica ao notar o paradoxo que retraça o protagonismo de atores presentes no desenrolar deste que é o maior escândalo político de nossa história. De um ponto a outro, dois Paulos: Paulo de Tarso Venceslau e Paulo Vieira de Souza, também conhecido como Paulo Preto, ambos com caminhos cruzados, algum tempo, em Taubaté.
Paulo Vieira de Souza contestando acusação de Dilma na eleições de 2014
Outra vez a história agulha a vida de um segmento de amigos de ambos. O primeiro Paulo, o Venceslau, tem as mesmas iniciais do Partido dos Trabalhadores: PT (haja picardia nisso). O segundo se distinguiu como engenheiro e administrador de entidade pública, com capacidade inegável, atestando a luta de uma família de origem simples, mas empenhada. E foi exatamente pela linhagem político-partidária que foi costurada a ironia do caso projetado nacionalmente. Ambos de espaços comuns, mas com projeção em uma geração inteira, exatamente a que hoje visita os 70 anos. O primeiro Paulo, arredondará 75 anos em setembro próximo, o segundo caminhando para os 70. Sendo da mesma origem local, ambos deixam seus nomes na história por condições opostas. Um foi pioneiro nas denúncias contra a corrupção. O segundo acusado de acumular mais de 100 milhões dólares em bancos suíços é acusado de negócios escusos.
Há outro ponto em comum trançando as duas trajetórias: ambos tiveram seus nomes ligados a causas políticas fora do próprio espaço familiar vivencial, em particular em São Paulo. No vigor estudantil o Venceslau, estudante de economia nos idos dos anos de 1960, como outros, buscou a capital do estado como ambiente de formação qualificada. No impulso utópico, meteu-se na política rendendo-se a causas comuns a então crescente esquerda estudantil. O febrão contagioso entre os jovens o levou às fileiras da Ação Libertadora Nacional (ALN). Seu protagonismo na “organização extremista” fez dele elemento de destaque nas fileiras da corporação, e entre outros atos de protestação, o mais consequente foi a participação no consequente sequestro do ex-embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, nos idos de setembro de 1969.
Treza dos 15 presos políticos trocados pelo embaixador norte-americano Charle Elbrick, em 1969
O Vieira de Souza, formou-se em engenharia na própria cidade natal, e pela Unitau foi credenciado para o exercício profissional que o levou a executivo destacado na cúpula da DERSA, companhia de Desenvolvimento Rodoviário SA. Vínculos partidários não oficiais o aproximaram das fileiras do PSDB e assim ligado a vários mandatários do partido no estado de São Paulo. Figuras como Geraldo Alckmin, Alberto Goldman, Aloysio Nunes e principalmente José Serra têm seus possíveis compromissos criminais atados no mesmo nó.
O Venceslau ficou mais de 5 anos preso, e ao sair ingressou de corpo e alma no nascente PT. Como era de se esperar, o ativismo virou militância legítima, e inscrito num programa de desejável saneamento do país, funcionou como administrador, ocupando cargos que o habilitaram a acesso às entranhas financeiras das gestões. Campinas e São José dos Campos foram espaços largos e suficientes para logo perceber a trágica mudança de rumo das propostas de governo. E foi o primeiro a denunciá-las. O custo lhe foi alto: expulsão das fileiras do Partido e a incompreensão de muitos de seus companheiros.
A trajetória do Vieira de Souza foi muito mais sutil, algo escondida nas tramas que fiavam sua carreira vertiginosa. Aos poucos foi galgando posições na instituição governamental até chegar às alturas. Em 2010, porém, a ex-presidente Dilma Rousseff, para atacar o oponente também candidato ao posto máximo da nação, José Serra, o cita pela primeira vez. Estava dada a largada para a acusação que pretende enquadrá-lo na formação de quadrilha, peculato e inserção de dados falsos nas contas públicas.
Acareação entre Paulo de Tarso e Paulo Okamotto no Congresso Nacional, em 2005
Dois Paulos, dois destinos: um arauto de crimes alarmantes, outro mediador de propinas até agora pouco exibidas, mas prometedora de abismos. Ambos pessoas queridas em nossas vidas e atestados das mudanças do tempo político que vivemos. É claro que temos dívidas com o primeiro, mas como é difícil aceitar os desvios do segundo. Nossa!… O trágico desta história é que temos encarnados em pessoas conhecidas as grandes contradições de um sistema enorme, cruel, vulnerável, corrupto. Confesso: seria mais fácil se as figuras em questão fossem incógnitas, distantes, anônimas. Mas não o são… Orgulho e pena se nos abraçam na tragicidade de dois nomes… Dois Paulos… Dois amigos…