Desabafo sincero de um dos cineastas mais brilhantes ao apagar 80 velinhas, Cacá Diegues é membro da Academia Brasileira de Letras
“Estou fazendo hoje 80 anos e tenho mais de 60 de dedicação total e absoluta ao cinema brasileiro. Hoje, assisto a um paradoxo dramático, em que o cinema brasileiro produz os melhores filmes de sua História, realizados por cineastas de todas as gerações, vindos de diferentes regiões do país, com riquíssima diversidade de ideias políticas, culturais, ideológicas, artísticas e cinematográficas. E, ao mesmo tempo, esse mesmo cinema vitorioso vive fase crítica de sua economia, ameaçado de se extinguir, desaparecer das telas.
Até 2018, chegamos a produzir 180 filmes ao ano, um recorde latino-americano, filmes reconhecidos por prêmios internacionais ou por grande sucesso junto ao público. Hoje, o cinema brasileiro tem sua existência ameaçada por um governo preconceituoso que nos odeia, sem nunca ter visto um só de nossos filmes.
Um dos 100 melhores filmes de todos os tempos, em 1979
Um governo amargo, rancoroso, insensível, desumano, conduzido, na cultura e na arte, por um ódio cego ao país que representamos. Um governo que não admite que tenhamos o direito de pensar o que somos e para onde queremos ir. Não estou interessado em comemorar tudo o que fiz no cinema, meus filmes e minhas ideias, dos quais só tenho que me orgulhar. Em vez disso, quero gritar por um futuro que eu e meus colegas, veteranos e jovens, reivindicamos.
Um país sem cinema é um país que não se reconhece, um país sem rosto e sem alma. Nós temos o direito de tentar descobrir ou construir esse rosto e essa alma, numa tela de cinema, na televisão, através do streaming ou o que for. Ninguém vai me impedir de dedicar, outra vez, os próximos anos de minha vida a esse sonho, mesmo que os poderosos não o desejem. Contem comigo”.