Alguns amigos próximos me consideram “avançadinho” em termos de aceitação das diferenças sociais e de modos variados de vida. Contudo, devo dizer que me sinto quadrado demais frente a certos relacionamentos. É claro que não estou me referindo às orientações sexuais que percebo garantidas a cada qual segundo suas próprias orientações: respeito absoluto. O problema para mim, se coloca em função das polivalências amorosas. Aí, sem dúvida, reconheço meu vacilo, pois me perfilo entre os monogâmicos.
Por lógico, não me enquadro na moldura estreita de conservadores que apenas aceitam o casamento único e até mesmo o celibato por opção me parece admirável. Sim, sou daqueles que acreditam que a democracia demanda o convívio com o diverso, mas tudo dentro de limites conveniados. Isso, bem sei, implica relativizar o termo tolerância, pois prefere-se não submeter o outro à minha capacidade de aceitação. Sinceramente, precisei deste preparo introdutório para abordar uma questão que progressivamente me fascina: o poliamor e o trial.
Antes de avançar, permitam-me dizer que depois de visita a países de cultura islâmica fiquei espantado com o número de uniões legalmente estabelecidas que admitem que o homem tenha até 4 esposas concomitantes. Na inocência de quem acha difícil a dedicação plena a uma só relação, fico imaginando o cotidiano com várias companheiras. Quais seriam as regras vigentes, fico pensando: sustento, calendário, trato dos filhos… Acompanhei um informante que disse que no momento a nova geração está, com naturalidade, reduzindo para duas as opções para a constituição de família. Sinceramente, precisei de algum tempo para aprender que o que no Ocidente chamamos amor, no Oriente tem outras significâncias. De toda forma, traduzi para o nosso ambiente cultural a questão dos relacionamentos digamos “menos convencionais”.
Marido com quatro esposas: cultura islâmica
Pensando em nosso meio cultural, meu interesse pelo assunto me fez diferenciar alguns termos correntes no universo das atuais definições de relacionamentos. Partamos do suposto que poliamor é diferente de poligamia (várias uniões ao mesmo tempo, mas sem consentimento explícito e convívio institucionalizado). E também cabe distinguir poliamor de poliginia (homem com mais de uma mulher), ou mesmo de poliandria (uma mulher com dois ou mais homens). Convém lembrar que essas definições remetem a estatutos jurídicos legitimados em algumas culturas e que agora começam a frequentar debates sobre este tema em nossos andamentos jurídicos vigentes.
É verdade que relacionamentos “desviados” são fenômenos conhecidos e já considerados juridicamente. Até a Constituição contempla a possibilidade de ampliar o conceito de família restrita a duas pessoas, homem e mulher. A complicar o caso convém lembrar que desde 2011 nossa Lei Magna acatou, por analogia, para homossexuais a mesma regra baseada no modelo heterossexual. E tudo acontece mantendo a monogamia como padrão comum. Independente de exceções, porém, é notável o registro de casos de união marital de três pessoas sob o mesmo teto. E a multiplicação de notícias faz com que sejamos surpreendidos com a expressão harmônica entre os participantes.
Expressão harmônica entre os participantes
Interessa pensar os sentimentos definidos como próprios para duas pessoas, como é o caso do amor. Li a respeito que um adepto ao ser interpelado se valeu da passagem bíblica que coloca na boca de Jesus o seguinte dizer “Não se turbe o vosso coração, creiam em Deus; creiam também em mim” (João 14:1) e completando “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. (João 14:2,3).
Independente de argumentos jurídicos ou religiosos, creio que o poliamor trata do que Bauman chama de “amor líquido”, ou seja, um sentimento coerente com os avanços do capitalismo consumista. Como se trata de um caso em que tanto um homem pode ter duas mulheres como uma mulher dois homens, não se aplica a conveniente argumentação do machismo. Creio ser mesmo expressão de um tempo em que até a individualidade se multiplica. Por enquanto prefiro pensar que é melhor ser um casal do que trisal. Pelo sim ou pelo não, vou treinando minha capacidade de pensar o futuro.