O ano está terminando e o MHNT ainda não recebeu o repasse de R$100 mil; a demora e o descaso se repetem todos os anos e ameaça o museu que só sobrevive devido ao trabalho e esforço do seu criador e diretor Herculano Alvarenga.

Nathália de Oliveira com colaboração de Paulo de Tarso Venceslau 

Destaque internacional e espaço mais visitado da cidade, o Museu de História Natural de Taubaté (MHNT) encanta os visitantes com a qualidade do seu acervo. Infelizmente, essa qualidade não sensibiliza nossas autoridades. Ao longo dos anos, o museu tem passado por dificuldades financeiras e sobrevive aos trancos e barrancos graças ao esforço quase sobre-humano do médico e paleontólogo Herculano Alvarenga, idealizador e criador do museu.

As dificuldades não são de hoje. Sua principal fonte de renda são os ingressos vendidos na bilheteria que arrecada cerca de R$ 100 mil por ano, mas insuficiente para mantê-lo funcionando adequadamente. A Prefeitura assumiu o compromisso de contribuir com outros R$100 mil anuais, mas não cumpre ou repassa esse valor apenas no fim do ano e o MHNT não consegue mais utilizá-lo segundo suas necessidades. A diretoria do museu nem conta com esse dinheiro para fazer alguma melhoria no local.

O ano de 2016 foi um repeteco dos anos anteriores.

Herculano ao lado do crânio de um Purussaurus brasiliensis e, ao fundo, réplica do Paraphysornis que ele descobriu.

Herculano ao lado do crânio de um Purussaurus brasiliensis e, ao fundo, réplica do Paraphysornis que ele descobriu.

 

Anos de dificuldades

Cansado e sem esperança para o futuro do local, Herculano Alvarenga, dono de todo o acervo do museu montado com suas pesquisas de campo e aquisições pessoais, tira dinheiro do próprio bolso para poder fazer melhorias e a manutenção no prédio e pagar os poucos funcionários. “Eu não reclamo [de usar o próprio dinheiro]. Trabalho com amor. Mas o que não vejo é interesse da prefeitura, da Câmara, em manter o museu. Trabalho todos os dias, até nos feriados, e não recebo nada por isso”, afirmou o pesquisador. “Agora tive que pagar a primeira parcela do 13º e não tinha dinheiro. Tive que tirar do meu próprio bolso”.

Desde sua inauguração, o MHNT enfrenta dificuldades para se manter.

Herculano só pôde se entregar integralmente à sua paixão de pesquisar in loco depois que se aposentou e as duas filhas se formaram. Foi em uma de suas expedições próximas à Tremembé que ele descobriu os primeiros ossos de um animal que ali viveu há cerca de 23 milhões de anos.  Depois de muito trabalho para reconstruir o esqueleto pré-histórico, batizou-o de Thaubatherium.

Feras do Cretáceo: da esq. para a dir., Velociraptor, Carnotaurus sastrei, Abelisaurus comahuensis e Tyrannosaurus rex

Feras do Cretáceo: da esq. para a dir., Velociraptor, Carnotaurus sastrei, Abelisaurus comahuensis e Tyrannosaurus rex

 

A descoberta foi destaque internacional e divulgada em diversões publicações científicas. O sucesso rendeu 12 cópias do esqueleto do animal para diversos museus do mundo. Em 1995, o então prefeito Bernardo Ortiz (PSDB) e a professora Maria Morgado de Abreu, já falecida, iniciaram as primeiras conversas sobre a criação de um museu de história natural.

Em 1998, o prefeito Antônio Mário Ortiz (então PSDB), sucessor de Bernardo, destinou uma área de 1.000 m² para o empreendimento. A construção foi finalizada em 2000. O acervo passou a pertencer à FUNAT, Fundação de Apoio à Ciência e Natureza, uma estrutura sem fins lucrativos, organizada para administrar o Museu de História natural de Taubaté, registrada em cartório no dia 27 de novembro daquele ano. Desde então, o museu sobrevive de escassos recursos.

Em 2015, foi realizado o show “Uma Noite no Museu” com Renato Teixeira e o Coletivo Música Taubateana para homenagear e promover o MHNT. Cerca de 3 mil pessoas assistiram ao espetáculo. Mesmo assim a Prefeitura não ouviu o recado. Mas o prefeito Ortiz Júnior não se sensibilizou. Limitou a repetir velhas promessas com as que fez na quarta-feira, 7.

Herculano Alvarenga, transformou sua paixão pela História Natural em um museu reconhecido internacionalmente pela comunidade científica, mas que vive quase abandonado pelo Poder Público

Herculano Alvarenga, transformou sua paixão pela História Natural em um museu reconhecido internacionalmente pela comunidade científica, mas que vive quase abandonado pelo Poder Público

O repasse

A verba repassada pela Prefeitura sempre chega com atraso”, afirma Herculano quando perguntado sobre o auxílio da administração. “O que acontece é que a verba chega para o museu no final do ano e ai não dá tempo para nada. Eu faço o que dá com o dinheiro e o tempo [restrito] porque eu tenho que devolver o que sobra da verba antes do ano acabar”, explicou.

Esta situação recorrente se repetiu novamente neste ano de 2016.

A prefeitura enviou à Câmara Municipal o projeto de lei autorizando o repasse apenas no dia 26 de outubro. O documento precisa ser analisado e autorizado por todas as Comissões Permanentes antes de ser enviado para a Ordem do Dia para ser discutido e votado pelos vereadores.

Só o processo na Casa de Leis demorou um mês e dez dias. O projeto de lei foi incluído na sessão de terça-feira, 06, e aprovado em primeira discussão por todos os parlamentares. Agora o documento volta à prefeitura para ser sancionado pelo prefeito para que assim a verba seja finalmente liberada ao Museu. Faltam apenas três semanas para o ano acabar. A diretoria do museu tem apenas três semanas para realizar alguma melhoria antes do dinheiro ser devolvido a prefeitura.

DSC_0684

Versão do Palácio do Bom Conselho

CONTATO questionou a prefeitura sobre a demora para o repasse da verba. Confira na íntegra a nota hermética, quase incompreensível, enviada como resposta:

A grande demora no repasse financeiro com relação à subvenção se deu em grande parte pela morosidade da própria FUNAT, em atender com presteza todos os requisitos exigidos, de forma geral, pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tais como, plano de trabalho; critérios adotados pela entidade para selecionar o pessoal eventualmente contratado para a execução do objeto, custeada com recursos do repasse; condicionamento de efetivação de repasses à prova de haver a entidade receitas próprias e condição satisfatória de funcionamento de modo a atender os artigos 16 e 17 da Lei nº 4.320/64; demonstração documental de haver compatibilidade dos preços contratados/recursos subvencionados com aqueles praticados no mercado (quadro comparativo entre os preços praticados nas compras e contratações de serviços pela entidade e as cotações prévias de preços realizadas); balancete analítico das despesas executadas pelas entidades com recursos transferidos; Lei autorizadora prévia para o repasse estabelecendo as finalidades a que se destina o mesmo, entre outros. Assim, só depois de superadas as etapas mínimas exigidas pelo TC/SP (o que veio a ocorrer somente na data de 06 de setembro de 2016, conforme Ofício Dir./FUNAT anexado aos autos do processo administrativo nº 33.914/2016) é que nós (Administração) ficamos autorizados a dar andamento no pedido de repasse proveniente da subvenção social.

Para cumprimento do requisito indispensável exigido pela Corte de Contas Públicas, qual seja, Lei autorizadora prévia, esta Administração enviou o Projeto de Lei Ordinária 130/2016 protocolado na Câmara Municipal, aos 26/10/2016, tramitando sob regime de Urgência perante esta Casa de Leis e desde então os funcionários da SETUC não tem medido esforços indo e ligando nas Comissões de Justiça e Redação, Finanças e Orçamento, e Educação e Cultura onde tramitam esse projeto cobrando, assim, sua agilidade quanto ao parecer e aprovação“. (Sic)

Confira os artigos 15 e 16 da lei nº 4.320/64:

Art. 15. Na Lei de Orçamento a discriminação da despesa far-se-á no mínimo por elementos.    

  • 1º Entende-se por elementos o desdobramento da despesa com pessoal, material, serviços, obras e outros meios de que se serve a administração pública para consecução dos seus fins.
  • 2º Para efeito de classificação da despesa, considera-se material permanente o de duração superior a dois anos

 

Art. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras a concessão de subvenções sociais visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos, revelar-se mais econômica.

Parágrafo único. O valor das subvenções, sempre que possível, será calculado com base em unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados obedecidos os padrões mínimos de eficiência previamente fixados.

Não é preciso dispor de um QI elevado para ver que os dois artigos citados pela prefeitura não acrescentam e nem explicam nada.

 

No ano passado, Renato Teixeira participou do show em homenagem ao MHNT.

No ano passado, Renato Teixeira participou do show em homenagem ao MHNT.

Outras explicações

Herculano afirma que a FUNAT, Fundação de Apoio à Ciência e Natureza, nunca demorou para responder os questionamentos da Prefeitura e reclama da burocracia.  “Primeiro tem que conversar com a Secretaria de Finanças que faz uma série de perguntas às quais respondemos. Só ali demora meses. Depois passa para a Secretaria de Negócios Jurídicos que fazem as mesmas perguntas. É uma perda de tempo”, explica.

Presidente da Câmara, vereador Paulo Miranda (PPS) afirma que a culpa é da prefeitura. “[O projeto] tem o prazo, por lei do regimento interno desta Casa, de correr por todas as Comissões. Então, cada Comissão tem o seu tempo para dar o parecer favorável ou não. Mas não é culpa da Câmara a demora do repasse”, ressaltou. “Eu tive o privilégio de estar lá [na Prefeitura quando Ortiz Jr foi afastado] para enviar o projeto à Câmara”, ressaltou.

O vereador também critica a demora da prefeitura. “Eles deveriam ter mandado isso antes, no primeiro semestre do ano”, frisou Paulo Miranda.

Uma opinião de quem teve a oportunidade de ocupar o trono palaciano e viver o dia a dia da rotina de prefeito.

unnamed

 

Situação do MHNT

O Museu foi uma das vítimas das fortes chuvas que aconteceram no mês de outubro e que alagaram diversos pontos da cidade. Foram os próprios funcionários e o Herculano que limparam o prédio após a enchente, sem nenhuma ajuda da Prefeitura. “Limpamos tudo no braço. O bom é que as exposições não foram prejudicadas”, afirmou Herculano.

Desde então, várias reformas estão pendentes no prédio. “Tem a das privadas do banheiro que não funcionam mais e precisamos trocar. Várias lâmpadas quebradas. Estamos querendo trocar por LED por ser melhor para o acervo. Agora eu vou ter que tirar do meu bolso para comprar isso também”, ressaltou. “A verdade é que o museu virou um depósito de lixo e de funcionários-lixo da prefeitura”, criticou o diretor.

Se algo não for feito imediatamente, Herculano Alvarenga não acredita que o museu aguente por mais tempo. “Agora seria época do ano para deixar o museu aberto o tempo todo, mas se não tivermos verba teremos que fechar o museu”.

Se o prédio for fechado, todo o acervo que Herculano acumulou com o seu trabalho será enviado à Universidade de São Paulo. “O que sinto é cheiro de velório”, finalizou.

DSC_06421 (1)