Assumi o ridículo e nem liguei para as pessoas que me ladeavam, e até riam discretamente, vendo um senhor de 75 anos cantarolando pela rua. A letra era de “Vamos celebrar”, do Oswaldo Montenegro e que servira de fechamento do show com Renato Teixeira, no VivoRio, num calorento sábado, dia 09/02/19. E lá ia eu no encalço de um táxi, meio que dançando, meio que flanando, meio que bobo com o enredo da vida: “Eu gosto de andar pela rua/ bater papo, de lua e de amigo engraçado/ Eu gosto do estilo do Zorro/ o visual lá do morro e de abraço apertado/ Eu gosto mais de bicho com asa/ mais de ficar em casa e mais de tênis usado/ Eu gosto do volume, do perfume/ do ciúme, do desvelo e do cabelo enrolado…” Repeti por vezes como um longo poema, admirado por me lembrar de cada verso, mas, por fim, lá pelas tantas, parei no tal do “cabelo enrolado”. Dei uma repentina travada, e troquei o passo alegórico pela dúvida paralisante: Cabelo enrolado, como assim? O Oswaldo pode, como ninguém, pois ostenta uma vasta e invejável coleção de fios lisos escorregados. Mas eu sou careca, e o que me resta de cabelo, uns 20% que não permitem nada próximo de cabelo enrolado. O Renato, sim, bem definido em sua postura de compositor, libertou-se de aparas e soltou seus caracóis agora nevados.
Outra canção do Oswaldo atiçou minhas lembranças “não sei se o poema é bonito, mas preciso escrever”. Ato contínuo, deixei o espetáculo, abracei longamente o amigo, e vim para casa. Tentei, mas não consegui dormir. Agitado, levantei-me e novamente Oswaldo me veio à cabeça e me autorizava retraçar os nós que a vida me permitiu com o gentil amigo Renato Teixeira. E foi assim que o passado se me abriu como azul céu taubateano. E lá atrás, escondida entre as nuvens que mostram a beleza sempre pretérita, me via em várias situações ao lado dele.
No interior as pessoas não se apresentam, todos se trançam e nem me lembro dos nossos primeiros encontros. Sei só que certa feita estávamos juntos na casa de nossas namoradinhas que eram irmãs. Depois, fiz uns poeminhas e ele musicou (certamente esqueceu-se, mas eu ainda cantarolo “seus olhos grandes, sua boca pequena, o seu jeitinho, sua pele morena); o interessante dessa passagem é que fomos juntos a uma Rádio local, a Cacique de Taubaté, e em um programa do amigo comum Robson Barone nos apresentamos. O rádio era importante veículo de comunicação, em particular em um tempo que a televisão ainda não dominava todos os lares. E foi pela voz do Renato que se investira em radialista que, pela Rádio Difusora Taubaté, todos os dias às 6 horas da manhã, ele lia crônicas que eu assinava. De minha parte, comemoro com lágrimas as leituras desses textos que ainda tenho bem guardados. Mais tarde virei, ainda muito jovem, diretor cultural do Clube da cidade, e, com empenho pouco traduzido, revelo que me esmerei em dar dimensão a um show escrito por ele e seu irmão Roberto, intitulado “Samba em três tempos” – sinceramente, daria alguma coisa valiosa em troca de ver reencenado esse espetáculo. Certa feita, fui como estudante de intercâmbio para os Estados Unidos e trouxe-lhe de presente dois LPs, um do Bob Dylan e outro de Country Music.
Renato “Dentinho” Teixeira e Oswaldo Montenegro: cabelos bem diferentes
Para seguir carreira, Renato e eu saímos de Taubaté. Como rizomas que brotam em outros quintais, ele seguiu a carreira musical e eu virei historiador. Nunca nos deixamos de maneira consequente. Encarregado dos alunos estrangeiros na USP, diretor de estudos sobre a Contemporaneidade Brasileira, por anos seguidos convidava o Renato par apresentações no campus. E assim íamos costurando nossas histórias: casamentos, filhos e mil amigos. Mais recentemente, por dever acadêmico, me vi convidado a escrever sobre música de raiz interiorana. Redigi um texto intitulado “Nossa Senhora Sertaneja” dedicado a ele, colocando “Romaria” como a posse de um processo de louvação. E, por ocasião dos trezentos anos da aparição da Imagem da Santa Aparecida, supusemos escrever uma ópera que, talvez, um dia se torne realidade.
Há um evento, contudo, que me comove mais que todos. Em dado momento, Renato compôs uma canção linda, chamada “O Turco do mercado”, e a inspiração foi meu pai. Confesso que poucas atitudes marcantes em minha vida têm a força dessa menção. Não posso ouvi-la sem chorar. Em ocasião anterior, mesmo sem avisar, fui ver um show do amigo querido, pois não é que ele me vendo na plateia, introduziu a peça e me fez despencar a ponto de precisar de apoio de amigos.
Tenho outras passagens que guardo na melhor gaveta de minhas emoções, mas retomo Oswaldo Montenegro para sintetizar o que sinto ouvindo a canção “Velhos amigos” detalhando que “velhos amigos sempre hão de se encontrar seja onde for/ seja em qualquer lugar”. Pois é, quem conhece Renato Teixeira sabe que ele é dos que estão, sempre, no coração de seus amigos… em qualquer lugar e que vamos sempre nos encontrar.