Talvez as dores causadas pelo silêncio sobre casos de tentativas e suicídios sejam culturais. Sim, no Brasil, em geral, temas como finitudes não são abordados, e na mesma onda não parece nunca oportuno falar a respeito dessas mortes provocadas. Pelo contrário, preside um pacto surdo e mudo que aproxima o tema do constrangimento, de vergonha, ou algo amoral. Tudo é calado no sufoco de dores derrubadas na lógica da vida que deve pública e constantemente atestar juventude, saúde e boa forma física. Tudo, aliás, se aproxima de um triunfo falso e comercial, como se a morte não se realizasse como parte da vida. Chega. É hora de abrir o cofre de segredos interditos e soltar a voz de alerta. O suicídio clama por cuidados.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) mostra que planetariamente o problema está exposto e comprovado: mais de 800 mil pessoas se imolam anualmente, além de outros tantos que fogem dos levantamentos. O dado surpreendente fica ainda mais trágico quando se constata que a cada 40 segundos uma pessoa se suicida em qualquer quadrante, sendo que a maioria com menos de 30 anos. O drama soa em altos brados anunciando que a tendência é crescente entre adolescentes, e se ampliam desde os 10 anos de idade. No Brasil as cifras perfizeram 14 mil no ano de 2019, sendo que neste ano, em seis meses, superamos aquele total. Isto se mostra assustador, diga-se. A pandemia causada pelo Covid19 potencializou situações latentes e faz arder a fogueira do silêncio alimentada por casos de difícil identificação. E mais que nunca temos que abordar esta questão em alto e claro bom tom. Precisamos exercitar a conversa sobre o assunto e ter discernimento de maneiras de abordar.
Depressão e transtornos não resolvidos podem levar ao suicídio
Diagnósticos apontam que em 96,8% dos registros os sintomas se relacionam à depressão e a transtornos não resolvidos, sejam bipolares, de pânico, ou por abuso de substâncias (álcool ou drogas psicoativas), além casos de esquizofrenia e ansiedade. Antes de avançar, convém registrar que existem grupos de assistência que atuam com eficiência e que não há dificuldade em alcançar, inclusive, com acesso on line, uma Cartilha de Prevenção. Isto sem falar do Centro de Valorização da Vida, disponível 24 horas por telefone no seguinte horário por chat: Dom – 17h à 01h, Seg a Qui – 09h à 01h, Sex – 15h às 23h, Sáb – 16h à 01h. Para qualquer emergência, vale deixar sempre a disposição o telefone 188 aberto a qualquer situação relativa ao suicídio. Impressionante como este pessoal sabe conversar. Conversar, diga-se, com pessoas que atentaram ou pretendem cometer o ato dramático, familiares e relativos.
Acredito que a campanha Setembro Amarelo venha cumprir um papel importante na sensibilização geral, em particular no Brasil onde existe desde 2014. Pouco, contudo, será conquistado se não houver abertura para tanto. Reclama-se, por exemplo, da falta de empenho complementar nas escolas. Em diferentes disciplinas curriculares, o assunto tem que ser assumido e bem aberto. A campanha oposta, propalando que temas como educação sexual, higiene corporal, gravidez na adolescência, prevenção as doenças venéreas – tudo resumido no programa Escola sem partido -, tem dilatado o problema e apagado as poucas luzes interessantes ao debate em nível de educação social. O resultado fatal mostra que as famílias silentes, as escolas sem alcance e a falta de sinceridade na abordagem do assunto exibe a face mais cruel do cinismo que nos leva pensar que o problema não existe… ou se existe mora longe de nossas casas.
O suicida nunca comete a tentativa sem emissão de sinais
Mas persiste também uma outra face desta moeda tratada adequadamente como doença, as tentativas de autoimolação produzem resultados surpreendentes. Nesta linha, pensemos que o suicida nunca comete a tentativa sem emissão de sinais. A doença, pois, tem conotação familiar ou grupal. E em conjunto os suicidas se salvam. A benesse deste processo emite resultados promissores quando, juntos, os membros envolvidos reprogramam a própria vida familiar, reordenam o projeto coletivo. E, então, os apontamentos são altamente positivos. Por evidente, as sequelas são duráveis e doem, mas elas curam. Curam a alma, no singular e no plural. Curam também contra males que são de todos. Salvemo-nos pela conversa franca, discreta, redentora de nossos silêncios.
Um dos intentos do Setembro Amarelo residente no incentivo à fala, mas esta intenção tem um avesso ainda mais significativo, pois, a vida pode melhorar com avisos de que algo precisa ser cuidado no projeto familiar ou comunitário. Nada retorna ao normal, mas o caminho pode ser de melhoria de todos. Inclusive de amigos, parentes e colegas. Sejamos conscientes.