Sejamos francos, há ainda muita hipocrisia nas formas de convívio social. O tempo passou, habituamo-nos a pensar o transcurso dos anos como modernidade, e no reboque decantamos a superação de tabus e práticas “daqueles tempos”. Supondo-nos no ápice da pirâmide histórica, entoamos ladainhas sobre “temas superados”. E até rimos das “coisas de antigamente”, de soluções “do arco da velha”. A moda, os utensílios domésticos, as celebrações festivas ou mesmo o luto, muito mudou. Mudar, nesse contexto, metaforiza melhoria, progresso. Ao mesmo tempo preside, sabe-se, uma nostalgia que junta saudade com humor, e quase sempre tudo fica como que encantado num remoto que permite transformar situações constrangedoras exercitadas em conversas animadas na base do “ah, naqueles dias…”
Sim, a memória é seletiva e quando vira a chave da mágoa até fica divertida. Nesses casos, é tanta idealização, tanto romantismo, tanta deformação que nos permitimos esquecer do tratamento a temas que mereceriam mais cuidados, mas que, ironicamente, ainda permanecem na elipse da inconveniência. Estranhos mecanismos regem escolhas do que deve ser comentado e do que ainda não. Como são estranhos os impulsos que instigam nossas conversas corriqueiras. Há coisas que não são de bom tom e então o interdito funciona como critério saneador do convívio harmonioso.
Os filtros que atuam nas escolhas temáticas acatam mudanças triunfantes, e, então, assuntos que eram vetados ganham autoridade e rompem silêncios. Assim emergem questões que dignificam lutas que se apresentam como direitos conquistados. Somente as batalhas triunfantes são dignas de falas, e assim as conquistas das mulheres, de certos segmentos negros, de deficientes físicos são celebradas. O processo seletivo do que vale ser festejado ou interdito é mecanismo sagaz, sutil, traiçoeiro. Consequências como a ampliação dos processos depressivos e o aumento dos índices de suicídio sugerem que as pautas de encontros tendem a prezar o periférico não problemático. A tal ponto isto chegou no presente que assuntos sobre sexo se mantém resistentes como tabus intocados.
Mesmo entre casais vigora um interdito que quando, por acaso, resvalado chega a ser constrangedor. Talvez, a prova explicativa mais pungente desse pudor dialógico resida no absurdo lugar ocupado pelo tema “educação sexual nas escolas”. Como se fora questão familiar exclusiva, investida de névoas religiosas – de uma religiosidade tragicamente ignorante – o assunto é tão delicado que alça debates no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Avesso disso, o tema não circula em rodas comuns ou sociais.
A interdição da temática afeita ao sexo e suas práticas nos diversos círculos chega à beira da neurose. O vazio de abordagem promove, por sua vez, distanciamentos que se afundam nas zonas de preconceitos. E haja deformações. Machismos alucinantes dão aos homens licenças para a formulação de discursos redutores do papel feminino. A silenciosa operação que oprime as mulheres se dá exatamente nas tramas do não exercício temático. Se no geral o tema é cercado de melindres, imagine-se entre os mais velhos. É verdade que há uma variada coleção de piadas, musiquinhas, tiradas em frases feitas, recursos que tocam na questão por vias pândegas, mas sempre sem os alvos necessários.
É preciso mais. Neste sentido, uma campanha iniciada no Reino Unido, sob a orientação da ONG Relato (relate.org.uk), convida repensar o tema. Partindo de dois princípios mestres, os estímulos visam lembrar que 1) o corpo envelhece, perde forças e elasticidade, mas 2) afetos e prazeres se remoçam com convívio sadio. O interessante da pesquisa é a relação entre ter mais tempo para a atividade sexual e a mudança de práticas que demandam mais toques, aproximações e massagens.
Detive-me em leituras sobre a tal campanha de favorecimento da discussão do “sexo entre velhos”. Gostei de ler histórias pessoais, de ver fotos de casais de mais de 70 anos se amando, de aprender com dicas eróticas, mas, pensei, e os solitários? E os que não têm parceiras/os fixos/as? E aqueles que optam pela solitude? Esses não têm vez? Para esses tantos o sexo não mais existe? E tantos foram os questionamentos que fiquei ainda mais estimulado. Solitário por não ter interlocutores. Alguém teria coragem de conversar sobre isso? Cartas para a redação…