Bióloga Graziela do Couto Ribeiro defende tese de doutorado na USP na segunda-feira, 14, sobre mamíferos fósseis da Bacia de Taubaté, com ênfase no Taubatherium, um animal que vivia em bandos na região há cerca de 23 milhões de anos; foi aprovada com distinção 

e em outubro nosso Museu de História Natural exibirá o esqueleto original do fóssil e imagens de sua reconstituição em vida.

 

Taubatherium é um parente distante. Muito distante. No seu tempo, o homem ainda não existia. Mas ele vivia aos bandos pela Bacia de Taubaté, uma região que se estende por cerca de 150 Km, de Cachoeira Paulista a Jacareí. Seu nome de batismo foi dado por Herculano Alvarenga, idealizador, criador e diretor do Museu de História Natural de Taubaté (MHNT). Foi ele que, ao descobrir os primeiros dentes do fóssil, lá pelos idos de 1976, sacou que estava diante de uma espécie animal ainda desconhecida. Seus estudos e pesquisas, porém, limitaram-se a parte craniana do fóssil. Graziela partiu desses estudos para remontar o esqueleto.

Graziela conta que o nome deriva de sua origem em Taubaté e therium, que significa mamífero, besta, fera. Portanto, trata-se de um mamífero, uma besta, uma fera que foi encontrada aqui na bacia sedimentar de Taubaté.

Taubatherium foi um mamífero que vivia na região há cerca de 23 milhões de anos, no chamado período paleodino, uma idade da coluna geológica. Graziela confessa ser uma apaixonada pela Paleontologia. “Em 2004 eu entrei pela primeira vez no Museu de História Natural de Taubaté, um mês antes da inauguração do museu em julho de 2004. Entrei como estagiária, fiz curso de aprimoramento e tive contato com os fósseis que estavam muito distantes da minha realidade. Parecia coisa de filme”, conta Graziela. No último ano da faculdade, descobriu que havia fósseis na região, que aqui em Taubaté se vive em cima de uma bacia sedimentar. E com o material apresentado pelo professor Alvarenga – dentes e outros materiais que ele reuniu em seus anos de pesquisa e coleta – “eu comecei a participar das pesquisas e coletas. Então, eu ia com ele para os afloramentos, para Fazenda Santa Fé, no bairro do Padre Eterno, onde há uma mineradora extrativa de argila e trazia o material aqui para o laboratório. O professor Herculano Alvarenga faz essas coletas desde 1976 no afloramento em Tremembé”.

 

Fóssil do Taubatherium reconstruído pela bióloga Graziela sob orientação do médico e paleontólogo, Herculano Alvarenga, idealizador e diretor do MHNT

Fóssil do Taubatherium reconstruído pela bióloga Graziela sob orientação do médico e paleontólogo, Herculano Alvarenga, idealizador e diretor do MHNT

 

Os proprietários permitem que se faça essas pesquisas?

Sim. Existe uma parceria da empresa mineradora com o museu. Eles são muito abertos a nossa entrada. Existe uma parte burocrática que nós respeitamos. Existem documentos que enviamos pedindo autorização. Tanto para o DNPN – Departamento Nacional de Produção Mineral, como para a empresa mineradora para que a gente possa ter acesso às jazidas onde realizamos a coleta de material para pesquisa.

 

As escavações são feitas por vocês ou por equipamentos da mineradora?

Das duas formas. Eles têm interesse econômico na argila. Retiram o folhelho, que é a parte superior, que eles não utilizam, vão deixando de lado, até chegar na argila que é o que interessa. A argila então é levada para um pátio onde eles espalham. Os fósseis podem ser encontrados tanto no folhelho com na argila. Tem ainda o xisto, nesse folhelho, onde também encontramos os fósseis. Principalmente morcegos. Os outros mamíferos como o Taubatherium foram encontrados na argila. Quando eles encontram algum objeto interessante, eles nos chamam e nós vamos buscar para pesquisar. Professor Alvarenga tem feito um trabalho para capacitar os trabalhadores da mineradora a fim de que possam coletar o material na forma correta, como proceder quando encontrar um fóssil e não o danifiquem. Muitas vezes isso ocorre devido ao trabalho com máquinas que passam sobre o material. Se não fosse o trabalho deles a gente não teria esse material. Essa parceria foi muito importante para nossos estudos.

 

Quando teve início as pesquisas sobre o Taubatherium?

As primeiras coletas de material ocorreram em 1976. O primeiro dente o professor Alvarenga descreveu em 1989, treze anos depois. E desde 1989 até agora ninguém havia estudado esse material pós craneano.

 

Quando é que apareceram outras peças, além dos dentes?

Em 2007, minha dissertação foi sobre os “Mamíferos fósseis da Bacia de Taubaté”. Trabalhei com todas as espécies, todas as ordens. Quando concluí o Mestrado e decidi fazer o Doutorado, precisava definir como dar continuidade a esse estudo porque dispunha de muito material. Foi nesse momento que optei pelo Taubatherium, que já havia citado no Mestrado, mas não havia um estudo completo. Apenas os dentes tinham sido estudados. A partir desse momento iniciei a pesquisa pós craniana, ou seja, fazer uma reconstituição do esqueleto: como ele andava, do que se alimentava, qual era seu tamanho. Fizemos uma reconstituição completa dele em vida, de sua postura, seus hábitos alimentares, enfim, como era o Taubatherium.

 

E o que era?
Hoje sabemos que ele era um mamífero herbívoro, que comia os ramos e não a vegetação rasteira, tinha aproximadamente 80 centímetros de altura e 1,80 metros de comprimento do focinho até as últimas sacrais, com peso estimado entre 280 a 350 quilos. Para exemplificar, imagine um cavalo com pernas curtas e com a cabeça um pouco menor.

 

Qual foi o foco de seu estudo?

Foi descrever o Taubatheriu com detalhes, a anatomia do esqueleto, fazendo comparações com outros fósseis da mesma família existentes em outras regiões. Fomos à Argentina e também aos Estados Unidos onde comparei com materiais da mesma família, para poder tentar explicar melhor quem e como era esse animal. É preciso fazer essa comparação com outros fósseis e também com animais existentes, como cavalos, zebras, antas, para estimar o porte, o peso. A conclusão é que não é da mesma família desses animais comparados e que realmente é de uma família extinta. Não existe hoje nenhum representante dessa família ou com algum parentesco.

 

Ninguém havia estudado esse fóssil?

Antes do professor Alvarenga, outros dois pesquisadores já haviam iniciado estudos mas tinham identificado errado. Eles concluíram tratar-se de uma anta. Em 1971, um outro pesquisador – Paula Couto – também realizou estudos e concluiu que era um lentinídeo, uma espécie que ocorre na Argentina. Depois, só em 1989 o professor Alvarenga concluiu tratar-se de uma outra espécie e deu o nome de Taubatherium, através de restos anteriores ao dente encontrado, que chamamos de holótipo e a partir de todos os outros fragmentos são associados a esse. A partir daí vem o grande desafio que é montar o quebra-cabeça. Por exemplo: pegar um osso do pós-crânio e afirmar se ele pertence ou não a essa espécie.

 

Exige muita paciência?

Exige anos de pesquisa, juntar todos os fragmentos, estudar, analisar, classificar um a um. No meu estudo foram mais de quinhentos ossos, que vamos unindo fazendo as associações morfológicas.

 

Como é feita a associação de um crâneo com os fósseis pós-cranianos?

Para unir um crânio a fósseis pós-cranianos é preciso que eles sejam encontrados próximos. Por exemplo, encontrar fragmentos de dentes e uma parte pós craneana, já permite uma associação.

 

Trata-se de um único fóssil?

O Taubatherium era o mamífero mais abundante da Bacia de Taubaté. Os vertebrados mais abundantes são os peixes. Entre os mamíferos, o Taubatherium era o mais abundante.

 

Se ele era tão abundante como é que ninguém pesquisou antes?

Nunca ninguém antes havia pesquisado esse material. Somente depois que nós iniciamos as coletas é que descobrimos que havia muitos e vimos que ninguém havia feito esse estudo. Em 2007, quando iniciei o Mestrado, decidi estudar por comparações morfológicas típicas da família, fazendo associações e comparações dos fragmentos encontrados e fomos classificando até conhecer a morfologia da espécie. Somente depois de muito estudo e muita pesquisa vamos ganhando a experiência que permite o conhecimento anatômico e a identificação dos fósseis encontrados.

 

Próximos passos…

Quando a gente conclui uma defesa, ocorre uma injeção de ânimo, a gente sai renovada. Agora eu preciso descrever formalmente tudo isso, compilar todos os dados da minha tese, melhorar alguns dados e depois publicar em uma revista, de preferência internacional. Só assim fica formalizada a minha pesquisa.

 

Novos projetos de pesquisa e novos desafios?

Muitos. Um deles é estudar o Piratheria, que também é um mamífero do porte aproximado de um elefante, que viveu também aqui no Vale do Paraíba há 23 milhões de anos, na mesma época do Taubatherium. Era um mamífero que ainda não tem um nome. Quando concluir o trabalho eu vou dar o nome a ele. Já iniciei as pesquisas tanto no Mestrado como no Doutorado, já temos material coletado, e agora ele ganhará um nome e será objeto também de uma publicação em outra revista.

 

O que lhe falta para melhorar as condições de suas pesquisas?

No Museu eu tenho encontrado todo o apoio e estímulo necessário. O Museu é que precisa de algum apoio financeiro para manter os estagiários, os pesquisadores. Às vezes isso limita o nosso trabalho. Muitas vezes esse pessoal trabalha mesmo por amor à profissão, aos estudos e à pesquisa desenvolvida.

 

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Graziela sendo arguida na segunda-feira, 14, na USP

Graziela sendo arguida na segunda-feira, 14, na USP

 

Graziela do Couto Ribeiro

Graduada pela UNITAU em Ciências Biológicas em 2004, com Mestrado na USP na área de Zoologia concluído em 2010 e doutorado em 2015 é o rápido currículo de Graziela, que, na tarde de segunda-feira, 14, depois de 4 horas de arguição, teve sua tese aprovada sem correções e com distinção e tornou-se o terceiro doutor da USP oriundo do Museu de História Natural de Taubaté.
Doutores e cientistas que compuseram a banca não deixam dúvidas sobre a qualidade do trabalho:Reinaldo Bertini (UNESP), Peter Toledo (INPE); Mary Elizabeth (Geociências, USP); Herculano Alvarenga (MHNT) e Elizabeth Hofling (Biociências da USP).

 

MHNT

Apesar do sucesso científico, o Museu de História Natural de Taubaté padece de um mal crônico: falta de apoio do poder público local e do apoio material por parte de empresas.
O MHNT fica na rua Juvenal Dias de Carvalho, 111 – Jardim do Sol, Telefone:(12) 3631-2928. Vale a pena conhecê-lo!