Todos nós guardamos algo de estranho: não duvide disso. A vida nos condiciona a uma aparente normalidade, e assim convencionamos modos de convívio civilizados, mantendo uma neutralidade suportável. O tal “contrato social” de Rousseau já prescrevia regras racionais que temperam impulsos e permitem que uns suportem os outros com certa tolerância. Entre as regras da vida social, o trabalho é um dos eixos organizacionais, e o tempo refinou critérios para o planejamento das aptidões pessoais aplicadas ao bem-estar pessoal e coletivo. Qual é o papel social de cada um no contexto moderno? Como conciliar as aptidões individuais com os mecanismos de sobrevivência? Essas questões abertas se multiplicam na atualidade, onde tantas oportunidades surgem e, por serem tão variadas, nos confundem.

No âmago dessas reflexões, uma pergunta se impõe para a realização pessoal: como ser feliz no mundo globalizado? Se o trabalho é uma atividade que nos implica a todos, como escolher uma ocupação mestra? Pois bem, eu estava perdido nesses pensamentos sobre o que fazer com minha aposentadoria quando os céus me fizeram cair às mãos um livro pitoresco. Melhor ainda: foi um presente de um amigo recente, alguém com quem me afinei desde os primeiros contatos por mensagens eletrônicas. José Roberto Whitaker Penteado é figura conhecida nos meios de comunicação, com uma trajetória brilhante na educação, especialmente na área de propaganda e marketing. Além disso, é um homem culto, autor de poesias e de livros técnicos e infantis, crítico de música erudita e, como não poderia deixar de ser, admirador de Monteiro Lobato. Foi justamente um de seus livros mais destacados que nos aproximou: “Os filhos de Lobato”. Viramos elos de uma corrente que busca discutir o polêmico criador do “Sítio do Picapau amarelo” numa chave mais moderna e ventilada.

Um dos livros mais destacado de Whitaker Penteado promoveu a aproximação dos dois

Visitei-o algumas vezes em seu refúgio montanhoso em Araras, onde passa o tempo com sua esposa, Elza. Nossos encontros sempre foram breves, visitas rápidas e pontuais, mas intensas o suficiente para trocarmos opiniões e livros. Sim, é verdade que escritores gostam de presentear outros escritores com suas próprias obras. Ganhei vários, mas um brilhou com primazia na minha lista de leituras: “Cartas a um jovem indeciso: que profissão escolher”. Publicado pelas editoras Campus e Elsevier em 2007, o livro, com suas 180 páginas, oferece uma leitura prazerosa e fluida.

Em 13 capítulos independentes, o autor constrói uma conversa envolvente baseada em sua experiência pessoal. Trocando o tom confessional por lições de vida, Whitaker destila indicações saborosas e úteis para aqueles atormentados por escolhas profissionais. Não bastasse a clareza e os deliciosos exemplos, uma pitada de humor permeia a narrativa, aliviando tensões. E, de forma sagaz, o texto, embora direcionado aos jovens, também se abre para adultos – satisfeitos ou não com suas escolhas. Além das qualidades narrativas, a editoração é exemplar: fontes bem escolhidas, espaçamento amplo que dá respiro à leitura e destaques pontuais, grifos, que conferem um tom de informalidade dialógica pouco usual.

Sendo ele o condutor dessa jornada, além de casos pessoais pitorescos, a obra é repleta de passagens de figuras célebres e anônimas, acompanhados de recados que auxiliam na definição da vocação, seja para quem busca um caminho, seja para quem deseja reinventar-se. Tudo é feito com graça e competência, sem cair no clichê da autoajuda ou na arrogância de mestres que se julgam infalíveis. E tem mais, essa “Cartas” é uma daquelas entregas que os correios sentimentais marcam o tempo da memória da leitura.

Se tivesse que eleger um aspecto destacado desse livro, certamente apontaria a questão da realização pessoal. Sim, ao eleger o trabalho – além da saúde – como o alicerce da vida, a felicidade torna-se a verdadeira meta, e o dinheiro, um fator consequente. Essa ideia é apresentada com uma fineza que torna a leitura prazerosa e mantém a leveza do julgamento sobre nossa capacidade de decidir, para além dos exemplos – ou das pressões – dadas por pais, professores e outros bem-intencionados que, no afã de ajudar, muitas vezes nos tornam ainda mais indecisos.