E segue o baile…

Só aos que temem a elucidação do assassinato de Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista interessa a produção de fatos que possam embaralhar as investigações. É o caso dos assassinos. E também dos seus cúmplices. E mesmo daqueles que à distância, por uma razão ou outra, preferem que fique tudo por isso mesmo.

Existe sua Excelência, o Fato. Que vem a ser alguma coisa que aconteceu e que pode ser comprovada. E existe também a chamada Ilação, que é o que se deduz de algum fato sem dispor, no entanto, de provas concretas. Marielle foi assassinada, fato. Políticos amigos de milicianos não querem ver o crime esclarecido, ilação.

É fato, narrado por ele próprio, e não desmentido pelo governador Wilson Witzel, do Rio, que Bolsonaro ficou sabendo no último dia 9 que seu nome fora citado no inquérito que apura a morte da vereadora. Foi Witzel que informou a Bolsonaro quando os dois se encontraram por acaso numa festa do Clube Naval, no Rio.

Witzel e Bolsonro

Governador fluminense e presidente agiram à margem da lei

É fato que Bolsonaro levou 21 dias para revelar que Witzel teve acesso a informações de um inquérito que corria sob segredo de Justiça. E que só o fez depois que o Jornal Nacional noticiou que ele havia sido citado pelo porteiro do condomínio onde tem duas casas. Ali morava um dos acusados de ter matado Marielle.

Em entrevistas à imprensa, Bolsonaro acusou Witzel de dois crimes: o de ter tido acesso a inquérito sigiloso e o de manipular o inquérito para incriminá-lo. Isso também é fato. Como é fato que Bolsonaro escondeu durante 21 dias que Witzel agiu, portanto, de forma criminosa. Ao esconder, tornou-se cúmplice dele.

Ilação: quem mais se beneficiou do que fez Witzel e do que Bolsonaro escondeu? Bolsonaro. Impossível que não tenha aproveitado os 21 dias de segredo para se informar melhor sobre o que Witzel lhe informara superficialmente. E para reunir provas, indícios e argumentos para defender-se se tudo viesse a público.

Ronnie Lessa

Ronnie Lessa acusado pela morte de Marielle morava no condomínio de Bolsonaro

É fato que no dia 17 passado, um grupo de procuradores do Rio foi a Brasília dizer a Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que Bolsonaro fora citado no caso de Marielle. É fato que Toffoli até ontem não decidiu se o caso, por envolver o presidente da República, deveria ser federalizado.

É fato, pois, que o presidente do Supremo sabia há pelo menos 12 dias o que o país só soube anteontem. E que se calou a respeito, a exemplo do que fizera Bolsonaro. Ilação: é possível que ele e Bolsonaro imaginassem que a citação do nome do presidente da República em um crime de sangue acabaria sendo abafado.

O Ministério Público do Rio revelou somente ontem no final da tarde que o porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem duas casas não ligou para uma das casas dele avisando no dia da morte de Marielle que havia um homem pedindo licença para ir até lá. Ligou, sim, para a casa onde morava o ex-policial Ronnie Lessa.

E por que somente ontem no final da tarde o Ministério Público do Rio revelou que o porteiro mentira ou se enganara em dois depoimentos prestados à polícia em meados deste mês? Porque somente ontem o Ministério Público disse que teve acesso à gravação dos telefonemas dados pelo porteiro no dia do crime.

Condominio

Detalhe do condomínio Vivendas da Barra, palco de estranhos fatos

Quer dizer: quando procuradores viajaram a Brasília ao encontro de Toffoli, desconheciam que o porteiro mentira ou se enganara. Não haviam checado a veracidade das suas declarações. Os procuradores se precipitaram ou foram relapsos. É fato, somado a certa dose de ilação que não compromete o fato, só o reforça.

O Procurador Geral da República mandou investigar o porteiro que poderá ser processado por caluniar ou difamar Bolsonaro. Ao mesmo tempo, arquivou informações sobre a suspeita de que um dos supostos assassinos de Marielle citou o nome de Bolsonaro para entrar no condomínio onde, à época, Bolsonaro morava.

Os principais personagens dessa história mal contada têm carteirinha de autoridade – Bolsonaro, Witzel, Toffoli, o Procurador Geral da República e os procuradores do Rio. Menos, o porteiro, a quem ainda não perguntaram por que – diabos! – teria procurado encrenca logo com o homem mais poderoso do país.