Para meus queridos amigos Ney e José Rubens
Não, não é sobre a novela da Globo “Velho Chico” que quero falar, ainda que ache que o trabalho de Benedito Rui Barbosa, o apuro da encenação e a qualidade dos intérpretes sejam dignos de nota. Minhas palavras se fazem em referência ao surpreendente caso protagonizado por Claudio Botelho e o incidente por ele provocado quando da apresentação, em Belo Horizonte, da peça “Todos os musicais de Chico Buarque de Holanda em 90 minutos”.
O caso ocorreu da seguinte forma: a sessão ia bem, casa cheia e no palco o diretor e ator, o próprio Claudio Botelho, contracenava com Soraya Ravenle quando, intempestivamente, de maneira aloprada, o personagem colocou um “caco” (para quem não sabe, “cacos” são palavras ou frases proferidas de maneira súbita, fora do script). E foi uma interferência imprópria, dizendo que “aquela era uma noite em que o presidente ladrão foi preso” e, em complemento,foi fazendo ecoar palavras sobre uma “presidenta ladra”. Imediatamente, a plateia veio abaixo e com alaridos, vaias e termos de reprovação restou o encerramento do espetáculo. Não faltaram imediatas indignações desdobradas frente a leviandade do perpetrador.
Notificado da situação, Chico Buarque pediu para que a peça não mais fosse encenada, na medida em que o sentido original do texto havia sido drasticamente deturpado. A coisa ferveu. Logo as redes sociais expressaram opiniões que se polarizaram entre prós e contras, colocando na berlinda uma obra irretocável com canções que encantam a todos pela engenhosidade do uso das palavras e sutileza na expressão de ideias. Cá entre nós, Chico é inigualável…
Como tudo no momento atual, a contenda virou um Fla X Flu emocional, de lastro político. Em complemento, a postura defensiva de Chico Buarque virou oportunamente “ato censor”. Isto foi exaltado pelo segmento inflamado dos seguidores do processo de derrubada da presidente. Num galope surpreendente, a contrapelo dos incitadores do debate antigovernista, iniciou-se uma troca de mensagens favoráveis ao consagrado, discreto,e muito amado compositor. É lógico que a reação contrária respondeu na ordem geométrica. E muito frenética.
Frente à dimensão que ganhou o âmbito nacional, no entanto, o aludido Claudio Botelho, apresentou nacionalmente suas desculpas, publicadas em jornal de repercussão nacional. De maneira até humilhante, em sua mensagem o ator/diretor buscou se redimir, felizmente, de forma clara e reconhecida. Dizendo-se “admirador apaixonado”, Botelho, como personagem principal do espetáculo dimensionado fora dos palcos,repetiu no texto bem escrito, várias vezes a palavra “errei”. E mais, de maneira contundente assumiu na primeira pessoa “falhei com minha responsabilidade, com Chico, falhei com o teatro, com a música” e encaminhou argumentos dizendo-se “envergonhado”. E para concluir terminou seu libelo com a mais adequada das palavras aplicáveis a essas situações “perdão”.
Elevando ao máximo a tensão contida no lamentável embate, o caso merece destaque por mais um detalhe. No meio de ataque e defesa, na verdadeira guerra de extremo ódio, ressentimento e busca de saídas honrosas, temos um exemplo magnânimo: o erro reconhecido e o perdão aceito. Sim, Chico Buarque imediatamente acatou o pedido de perdão e, elegante, deu sua benção para que o espetáculo voltasse a ser exibido.
Por todos os motivos temos que parar e refletir sobre este caso. É hora de domesticar nossos impulsos e aprender sobre os limites das coisas. Para o bem geral da nação, precisamos temperar nossas opiniões e saber usar o esforço empenhado em favor de causas – sejam elas quais forem –, pois não dá mais para humilhar os outros por terem opiniões diversas. É hora de crescer. É tempo de honrar a temperança e pôr para fora, de maneira sensata nossas opiniões.
Não deixa de ser irônico que Sérgio Buarque de Holanda, exatamente o pai do Chico, tenha cunhado, para os brasileiros, a expressão “Homem cordial”. A aludida cordialidade saída da lavra do Professor Sérgio remetia de maneira dúbia, algo ambígua, tanto ao brasileiro gentil, cordial como ao que se expressa pelo cordis, coração apaixonado e assim se cega.
por José Carlos Sebe Bom Meihy, meiconta63@hotmail.com