Por
Beti Cruz
betibia@ig.com.br
Tínhamos
dois “vovôs”, como geralmente acontece
às crianças. Vovô Zezinho, pai de minha
mãe e vovô Paulo. Tanto um como outro sempre
estiveram presentes em nossas vidas. Vovô Zezinho
vinha nos visitar quase todos os dias, morava em Caçapava.
Vovô Paulo, que vivia na capital, aparecia em ocasiões
festivas e durante as férias, onde quer que estivéssemos.
Aqui em Taubaté, na fazenda Santa Cruz, São
Vicente ou Caraguatatuba.
Baixinho e gorducho, gostava de brincar comigo, com meus
irmãos e primos. Mas suas brincadeiras não
eram de corre-corre nem de esconde-esconde. Tinha lá
suas manias. Uma delas foi propor-nos um jogo: ao nos encontrarmos,
o cumprimento deveria ser “Bom dia, Filipina!”.
Era preciso ficar esperto, senão perdíamos
pontos. E valia sempre, mesmo que passássemos longas
temporadas sem nos ver. Quando estava conosco, queria saber
se havíamos escovado os dentes. Antes de sentar-se
à mesa para o café da manhã, passava
em revista as boquinhas abertas. Ficávamos temerosos,
achando que viria bronca. Ao perceber que alguém
ainda não tinha feito a higiene corretamente, ele
exclamava: “Você é que está certo!
Temos que escovar os dentes DEPOIS da refeição”.
Acabado o café, mandava todos para a função.
O que mais o alegrava era propor-nos problemas e charadas.
E contava aquela história dos índios com a
cabra que deviam atravessar o rio, mas a canoa era pequena...
Como deviam agir para não perder a cabra? Quebrávamos
a cabeça. A cada visita vinham novos problemas. Nunca
me esqueci de uma charada proposta por ele: “Qual
é a palavra de uma sílaba que começa
com “c” e acaba com “u”? Espantados,
não tínhamos coragem de dizer o que pensávamos.
Divertindo-se ele continuava: “é uma coisa
bonita, linda mesmo!”... Ninguém atinava com
aquela beleza. Enfim, depois de muita firula, vendo que
não nos manifestávamos, dava a resposta: “Olhem
para cima. É o céu, o que mais poderia ser?!
Não é lindo?”...
Gostava também de certas frases de impacto, que não
compreendíamos imediatamente. Tínhamos que
raciocinar. Sempre me divirto ao lembrar-me daquela que
para mim era das melhores. O que ouvíamos era o seguinte:
“No Paraná a bunda apita.” Gargalhávamos
só de pensar nos paranaenses apitando. E ele, com
a cara bem séria, parecia não achar graça
nenhuma. Ninguém entendia. Depois de contar uma coisa
dessas, como é que não ria? Queríamos
saber mais, por que isto acontecia tanto no Paraná?...
Vovô Paulo, então, com ares professorais, dava
as explicações. “É preciso entender
as palavras. Vocês não conhecem o verbo ‘abundar’?
Significa ‘ter em abundância’, isto é,
‘em grande quantidade’. Depois, encerrava a
questão: a ‘pita’ é uma árvore.”
O fato dele ser casado com tia Georgina muito nos intrigava.
Normalmente o vovô é marido da vovó
(era assim antigamente)... Só depois de maiorzinhos
é que compreendemos. Vovô Paulo era tio de
meu pai. Sem filhos, adotou os netos de seu falecido irmão
e nos presenteou com o papel de verdadeiro avô.
Nem mesmo suas atribuições de desembargador
perturbavam o relacionamento com os “netos”.
Em São Paulo, íamos a confeitarias tradicionais,
onde nos deliciávamos com sorvetes e docinhos. Juntos
fazíamos também passeios pelo parque da Água
Branca, olhando os peixinhos no lago, os cavalos de raça
e as araras falantes. Saíamos de lá todos
lambendo grandes mariolas coloridas.
Tenho saudades dele e sempre que passo por uma determinada
avenida em Taubaté, lembro-me com carinho daquelas
suas brincadeiras.
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