Por Beti Cruz
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Doutor José Geraldo era chamado de Zé Negrinho por seus irmãos. De Zepinho por minha avó. Charutinho por nós e nossos amigos. E de Lolo por seus netos. Meus tios diziam que ele sempre detestou o apelido de Negrinho. Eu não entendia por que vovó o chamava Zepinho, maneira mais antiga de nomear um Zé! Charutinho veio dos [charutos] suerdicks que o acompanharam durante boa parte da vida, no final da qual passou a ser Lolo. Por quê? Muito simples, é o masculino de Lala, apelido que as crianças deram à minha mãe.
Gostava de andar bem arrumado. Em Taubaté, vestia-se de terno claro com as calças presas por suspensórios e saía à rua de chapéu. Na hora do almoço, ficava “em mangas de camisa”, o que irritava solenemente minha avó. Depois do cafezinho, abria a caixa de charutos, pegava o cortador e o ato de tirar a ponta do havana médio e acendê-lo era um ritual. O perfume espalhava-se pela sala. Muita gente torcia o nariz, principalmente as senhoras. Eu não. Até hoje, ao sentir este cheiro lembro-me dele. Meu avô materno também apreciava os charutos e eles se presenteavam com caixas de nacionais ou importados. Os melhores eram os cubanos, mas os da Bahia não ficavam atrás. Neste ponto, meu pai e meu avô concordavam, mas em outros não. Quando vovô sugeria que se fizesse alguma melhoria na casa, por exemplo, e se prontificava a arcar com os gastos, Zé Geraldo tirava logo o corpo. Prezava sua independência, não queria dever nada ao sogro.
Em casa, brincava com os filhos pequenos, ajudando-nos a fazer cabanas com almofadas do sofá. Ainda menina, sempre que passava perto dele, prendia-me pelos braços. Para livrar-me tinha que dizer “dá licença, faz favor”. Era a senha, não havia outra maneira. Eu não sabia por que aquilo acontecia com tanta freqüência, mais tarde é que descobri: o que eu realmente dizia era “dá licença, faz sazor!” E ele se divertia. Anos depois, quase o mesmo acontecia com um de seus netos, com quem saía aos domingos para comprar “as empadinhas”. Ele provocava e João Paulo, de quatro anos, dizia a todos que vovô tinha lhe dado uma “zimpadinha”.
Houve uma época em que não nos permitia beber água durante as refeições. Tínhamos que inventar saídas da mesa. Ir ao banheiro, era sempre a desculpa. Fingíamos, é claro e na volta tomávamos um golinho escondido. Pensávamos que ele não via e ele fingia não ver também. Mas de vez em quando dava-nos um flagra! E trazia o infrator puxado pela orelha...
Sempre gostou desses flagras, principalmente quando já estávamos mais velhos e chegávamos tarde em casa. Bem mais tarde do que o previsto. Quantas vezes de madrugada, subindo a escada na ponta dos pés, levei um susto danado ao dar de cara com ele na penumbra, esperando-me lá no topo!
Certa vez, depois de deixá-lo no aeroporto de Congonhas, sentimo-nos liberados para fazer uma traquinagem. Como a melancia era fruta proibida em nossa casa, porque lhe fazia mal, aproveitamos sua ausência e compramos uma bem grande. Após o almoço, quando degustávamos a suculenta fruta vermelha, doutor José Geraldo entrou inesperadamente na sala. Quase engasgamos. O dia fortemente nublado tinha provocado atraso em todos os vôos. Cansado da longa espera, ele desistiu da viagem.
Neste dia o flagrante não deu certo. Éramos sete contra um: seis filhos e mais dona Laura de quebra. Sem alternativas, Charutinho não perdeu o rebolado. Sentou-se à mesa e comeu melancia também. Rimos muito e o caso passou ao folclore da família.

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