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Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

A cultura brasileira pode ser analisada pela ótica da presença das mães. Velhas lições
retraçam páginas da literatura para mostrar o vigor da imagem materna como base de
sustentação de nossas explicações existenciais. No Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de 1924,
Oswald de Andrade já estabelecia nosso famoso dilema identitário: “Tupy, or not tupy”.

O mito antropofágico servia de base para contrapor o modelo colonizador, da domi-nação patriarcal, “contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do ma-triarcado de Pindorama”. Este pressuposto consagrou a mãe como nossa metáfora cultural por excelência e a entranhou em todos os sentidos da cultura. E, entre nós, existe ofensa maior do que xingar a mãe? Ou reconhecimento maior do que garantir que “amor só de mãe”? aliás, contra o machismo dominante em nossos meios, sempre vale como alerta o velho axioma “pai a gente pode duvidar, mas a mãe é garan-tida”.
Creio que, no Brasil, a gran-de prova da força da mãe pode ser medida pela ora-lidade. É na música popular (MPB) que podemos ver al-guns diálogos in-teressantes que, afinal, servem para provar esta tese. Entre as mais importantes e conhecidas le-tras brasileiras, de todos os tem-pos, sem dúvi-das, a marchinha assinada por Ja-raraca “Mamãe eu quero”, gravada pela primeira vez em 1936 juntamente com Almirante é uma espécie de mãe de discursos que ecoam em diferentes gêneros e tempos musicais. A letra começa com um diálogo que (infelizmente) desapareceu ao longo das muitas gravações, mas o núcleo permanece com referência constante.
Há, porém, detalhes desse sucesso que poucos conhecem: ninguém queria gravá-la, mas depois foi consagrada nos Estados Unidos por Carmem Miranda, tornou-se ma-nia sendo que as mais importantes gravações são as femininas, Astrud Gilberto (1982) e Beth Carvalho (1984); foi ainda usada como propaganda política nas eleições de 1946, como gingle para a eleição do autor, pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), como vereador, no Rio; tornou-se uma espécie de hino dos carnavais, principalmente das bandi-nhas que sempre dão o grito com os acordes presentes na memória de todas as gerações: “mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar”.
Em 1988, Leo Jaime, em uma letra picante intitulada “Todas as honras do presidente”, criticava os governantes com uma sátira mor-daz: “Eu quero ser um executivo
Pra eu poder mandar/E ter um cachor-rinho/Que é pra eu ter o que chutar/Eu quero ser o presidente/Pra eu poder matar/E ter uns estudantes pra eu torturar”. E terminava as demais estrofes com o aludido “Mamãe eu quero”.
Ainda mais explícito é o eco deixado por Rita Lee que em 1993 de-clarava em “Filho meu” que “Meu filho me disse mãe/Hoje já é ama-nhã/Aquele sonho Tutti-Frutti mãe/Virou um kaos de hortelã/Com-putador e sem puta dor/O vírus vai ata-car/Bate uma larica existencial/Mamãe eu quero mamar!” e, concluía com um contundente “A mão que afaga é da mãe que afoga/Help!Ó mãe gen-til!/Help!Quem me pariu!/Help!
Eu quero minha alma de vol-ta!”. Cho-cante.
Não deixa de ser significa-tiva a transposição do conceito familiar de mãe para a maternidade nacional. Mais rele-vante ainda é a consideração da dependência filial que se estabelece ao longo da construção de nossa cultura. A “mãe gentil” derivada de nosso hino nacional, mais do que mera mãe biológica, ao se ampliar para a pátria mostra uma significativa mudança do conceito de filiação. No caso restrito, mãe é carinhosa evocação. Dilatado seu sentido, como gover-no, gradativamente vai perdendo o signi-ficado de generosidade e ganhando a crítica dos filhos que se rebelam. Pensei nestes valores quando supunha um jeito de ho-menagear as mães. Ainda bem que reser-vamos no plano privado, intacta, a imagem daquela que nos fez filhos. Ainda bem que reservamos no plano público o sagrado dever de criticar.

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