Gosto
de cinema. Sempre gostei. Tenho preferências por filmes
tolos, do tipo comédia romântica, ou histórias
de amor que acabam bem. Sou avesso a “cinema cabeça”
ou a enigmas filosóficos filtrados por cineastas inteligentes
demais. Também não gosto muito de ficções
científicas a não ser da alçada de “Guerra
nas Estrelas”. “Cinema é a maior diversão”
e, historiador, procuro ler história nos livros, discuti-la
em salas de aulas, pesquisá-las em arquivos. Quase
nunca vou a filmes históricos e não me envergonho
de dizer que desde “Os dez mandamentos” nunca
mais vi filmes bíblicos. Seria impossível escapar
da avalanche de películas sobre a Guerra do Vietnã,
mas quando as via calibrava meu olhar pela ótica de
alguém que cresceu na contracultura dos anos de 1960.
Mas, recentemente, aconteceu algo diferente. Exausto, depois
de uma semana de muito trabalho, saí tarde para jantar
em um Shopping e de lá fui a uma destas sessões
avançadas na noite. Por coincidência, o único
filme compatível com o horário era “A
queda! As últimas horas de Hitler”. Tinha ouvido
falar algo da produção que certamente seria
polêmica, mas sabia pouco mais, nada dos atores e nem
mesmo do enfoque do enredo. Confesso que me muni de algumas
pedras, pois filme sobre últimas semanas, dias ou horas,
sempre tratam de humanizar o personagem. E ver Hiter bonzinho
definitivamente não estava em meus planos.
Enquanto aguardava o início, sozinho, pensava nos demais
filmes que enfrentaram a problemática do Terceiro Reich
e de seu artífice mais conhecido. Veio-me logo à
mente o caso de Charles Chaplin que, judeu, o caricaturizou
como ninguém em “O Grande Ditador”. Mas
isto se deu em 1940, antes dos horrores dos campos de concentração.
Depois, lembrei-me de poucos outros filmes, mas em todos havia
o esforço em mostrar Hitler como um desequilibrado,
maluco, histérico ou neurótico. O que será
que vem por aí, perguntava-me? A narrativa se passa,
em grande parte, dentro de um buncker, debaixo do Parlamento
de Berlim, onde o füher, sua amante Eva Braun e demais
asseclas estiveram escondidos enquanto as tropas russas invadiam
uma Berlin arrebentada. Em termos de cinema vi uma solução
surpreendente, jamais pensada: a condução cromática
acinzentada, a câmara sempre fechada, o ambiente gerado
verdadeiramente sufocante.
Neste clima, o tema da solidão dos poderosos logo repontou.
Igualmente estava exposta a vontade do líder doente
que preferia ver sepultados todos os participantes da diabólica
trama nazista. Emerge então o dilema: ou se rendiam
acovardados ou morreriam fiéis ao lado do cruel sonhador.
Há algumas situações impressionantes
no filme. Talvez a mais dramática delas seja a cena
em que esposa do terrível ministro Joseph Goebbels,
Magda, decide que, para sua família, não valeria
a pena viver fora dos quadros nazistas. Mas também
é em relação aos filhos do ministro que
o filme toca na marca contraditória de Hitler que ostenta
algum carinho. Mas isto não desmente o caráter
violento do chefe que afinal, era bom por minutos e em situações
que não comprometiam seu projeto ideológico.
Pelo contrário, salienta seus extremos. Assim, o fato
de ter uma cachorrinha, Blondi, não disfarça
o perfil doentio do homem que – pelo mal – mudou
a face da história.
E trata-se de um filme alemão. Isto não é
pouco, pois a decantada dureza germânica cedeu lugar
a uma crítica que certamente é mais rigorosa
no país que serviu de cenário ao terrível
füher. O enredo que se processa em 156 minutos, tem interpretações
irretocáveis. O suíço Bruno Ganz, com
a mão direita trêmula, mais do que mostrar o
cuidado absoluto com os detalhes – Hitler sofria do
mal de Parkinson – mostra uma atuação
digna da indicação de melhor filme estrangeiro
ao Oscar. O cineasta Oliver Hirschbiegel conduziu tudo de
maneira segura de forma a fazer desta a melhor de todas as
películas sobre a Segunda Guerra Mundial.
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