Meu
caro anônimo, sua mensagem colocou uma lua em minha
noite solitária e escura. Sempre reclamo que poucos
leitores de Taubaté escrevem para os colunistas e,
sem eco, fico mesmo sem saber qual o meu chão, o som
e cor do que digo. E de repente chega sua cartinha pedindo
conselhos. Quem sou eu para dizer a um jovem poeta o que ler
para se iniciar como escritor? Eu? Ninguém... Mas não
vou fugir à tentação. Antes evoco os
versos de Julio Dantas que mais que outros soube dar a receita
que me pede:
“ande
a imaginação por onde ande
seja claro e simples, pelo menos
pois a única maneira de ser grande
é fazer-se entender pelos pequenos”
é
isto meu menino. Se tem apenas 13 anos, mas já ostenta
obstinação, devo completar a sugestão
com dois avisos: leia e escreva. Leia principalmente os clássicos.
Temos uma literatura maravilhosa e nela privilegie Machado
de Assis. O “machadão” é capaz de
pôr abaixo a floresta do mau uso da língua, das
frases quilométricas tão comuns entre os jovens
iniciantes que abusam dos verbos, da carência de imaginação
e das dificuldades na construção de argumentos.
Machado mostra como construir mistérios, enigmas, de
que maneira podemos deixar o leitor em suspenso, tudo, com
clareza e simpatia.
Mas
não basta ler. Não. É preciso escrever.
Para muitos, escrever é como respirar e se me permite
dizer, o dia em que não escrevo sinto que morri um
pouco mais. E, de início, escreva tudo, enfrente todos
os gêneros até achar qual é mais a sua
imagem e semelhança. Seja criador de sua criatura.
Invente. Solte as amarras e dê mar à imaginação.
Coloque em letras tudo que sonhar. Se não for dado
a diários, mantenha um caderno com notas do que lhe
ocorre e sempre suponha que a vida, como ela é ou como
poderia ser, merece registro. Escreva em primeiro lugar para
você mesmo. Depois sinta que seu público se constituirá.
Você
fala de poesia, da paixão por Fernando Pessoa, muito
bem, mas considere também Manoel Bandeira. E Carlos
Drummond de Andrade. E Cecília Meireles. São
mais próximos, brasileiros, escrevem de um jeito mais
nosso. Leia muita crônica e não se esqueça
de Rubem Braga. Os contistas do Vale do Paraíba são
incríveis e entre outros valorize Waldomiro Silveira.
Tenha sempre um dicionário à mão e garanta
que seu uso equivale a perfume.
É
preciso planejar. Não escreva nada, nunca, sem um plano.
O mapa narrativo ajudará a supor rotas, evitar acidentes
e principalmente se perder por falta de rumo. Se for possível,
guarde por algum tempo o resultado de suas aventuras e antes
de dar à alguém, leia. Mude quantas vezes for
necessário, mas aprenda o significado de pontos finais.
Monteiro
Lobato dizia – em “Memórias da Emília”
– que o difícil é começar e é
mesmo. Mas veja como Machado de Assis, frente a falta de idéia
de um princípio fez no seu conto mais perfeito. Prólogo
da agulha e da linha:
"Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de
linha: — Por que está você com esse ar,
toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma
cousa neste mundo?
—Deixe-me,senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe
digo que está com um ar insuportável? Repito
que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é
alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça.
Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe
deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros”
E veja meu caro jovem como com um simples “era uma vez”,
estava aberta a estrada do problema que coloca o leitor como
uma espécie de detetive que tem que deslindar a lógica
de um diálogo conflituoso.
É
esta a minha “quase receita”. Se der, responda.
Quem sabe você será capaz de mostrar os seus
escritos e neles revelar seu nome?
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