Espelhos (clique)


Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Sebe confessa que Drummond é seu poeta preferido por causa da sua genialidade ao
juntar poesia com crônica fazendo de uma a outra


Escultura de Carlos Drummond de Andrade na praia de Copabana. Calçadão de Copacabana

Não seria errado dizer que cada um tem o poeta preferido que merece. Nem valeria supor erro na duplicação das escolhas. Eu mesmo tenho vários poetas “do coração” e nem saberia dizer do qual mais gosto. A cada momento evoco um e sempre tenho dificuldades em respostas precisas, coerentes, confiáveis ou constantes. Mas tudo piora quando além de poeta o autor é também cronista. Se fosse só pelas crônicas, seria fácil apontar Rubem Braga como favorito, mas quando os escritores expressam-se em dois gêneros, sinceramente, fico em dúvidas, titubeio e me contradigo. Sempre.

Caso a pergunta me fosse feita agora diria, sem pestanejar, que Carlos Drummond de Andrade teria a primazia por juntar poesia com crônica fazendo de uma a outra. É verdade que não posso ser injusto com Cecília Meireles, mas dela gosto mais da verve poética. De Drummond, que me fez reconhecer no verso “Turcos” uma grandiosidade que não vira antes em minha família, considero com igual peso a força de seu lirismo crônico. Ainda que me fosse difícil dizer qual faceta de seus poemas me cativa mais, em face das crônicas teria facilidade. Há uma que me comove muito e desde o título convoca lágrimas “Do Papai” e como ele foi original ao meditar sobre a institucionalização do dia dos pais em detrimento da data natalícia dos “velhos”! Parece que ao falar de figuras familiares Drummond filtrou pela memória a luz diáfana do tempo ao mostrar a ternura vertida em celebração paterna, afetos maternais, carinho amigo.

Também fico com os olhos mareados com a retomada drummondiana das cartas, uma constante em suas crônicas. Mas nenhuma será maior e mais arrebatadora do que a reflexão sobre Mario de Andrade e atenção aos seus correspondentes jovens. Todo aspirante de literatura deveria ler “Suas cartas”. Mas há tantas outras... Lembro-me ainda, meio garoto, decorando o início de “Fala, amendoeira” e repito com os olhos daquele ontem: “este ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo exige que prestemos alguma atenção à natureza – essa natureza que não presta atenção em nós”.

E há casos engraçados nas peripécias crônicas de Drummond. Uma, porém, merece atenção pelo desdobramento cômico e conseqüente produzido. Sob o título de “Garbo: novidades” o autor destaca uma situação inédita vazada nos seguintes termos: “Um semanário francês publicou a biografia de Greta Garbo, e, embora não conte nada de novo sobre esse fenômeno cinematográfico desconhecido da geração mais moça, atraiu a atenção dos leitores”. E, mais adiante, insinua que o jamais explicado desaparecimento daquela atriz, durante alguns meses em 1929, se deu por uma suposta viagem a Belo Horizonte onde o “anjo azul” teria se hospedado no Grande Hotel.

Segundo a lenda inventada pelo nosso intrigante cronista, La Garbo teria se apaixonado pelo poeta, amigo de Drummond, Abgar Renault com quem passeava tranqüilamente nas alterosas. Com detalhes provocantes porque possíveis, a história publicada no Jornal do Brasil virou um furo jornalístico. E correu o mundo, não pelo nosso cronista, mas pela verossimilhança. Para desgraça da verdade, um dos leitores desta brincadeira foi um dos muitos biógrafos da bela atriz que, pensando ser real aquela broma, eternizou a brincadeira. Hoje, apesar de Drummond ter desmentido a fantasiosa visita à capital mineira, esta “explicação” compõe grande parte das histórias da mulher mais enigmática do cinema.
Este fato interessante, além de mostrar os ardis narrativos do mineiro ilustre, revela a dimensão de uma história bem contada. E contar história é um dos maiores atributos da literatura brasileira. Para quem quiser comprovação recomendo a leitura do volume único “poesia e prosa de Carlos Drummond de Andrade”, de preferência na bela edição da Nova Aguiar.



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