Escultura
de Carlos Drummond de Andrade na praia de Copabana. Calçadão
de Copacabana |
Não seria errado dizer
que cada um tem o poeta preferido que merece. Nem valeria
supor erro na duplicação das escolhas. Eu mesmo
tenho vários poetas “do coração”
e nem saberia dizer do qual mais gosto. A cada momento evoco
um e sempre tenho dificuldades em respostas precisas, coerentes,
confiáveis ou constantes. Mas tudo piora quando além
de poeta o autor é também cronista. Se fosse
só pelas crônicas, seria fácil apontar
Rubem Braga como favorito, mas quando os escritores expressam-se
em dois gêneros, sinceramente, fico em dúvidas,
titubeio e me contradigo. Sempre.
Caso a pergunta me fosse feita agora diria,
sem pestanejar, que Carlos Drummond de Andrade teria a primazia
por juntar poesia com crônica fazendo de uma a outra.
É verdade que não posso ser injusto com Cecília
Meireles, mas dela gosto mais da verve poética. De
Drummond, que me fez reconhecer no verso “Turcos”
uma grandiosidade que não vira antes em minha família,
considero com igual peso a força de seu lirismo crônico.
Ainda que me fosse difícil dizer qual faceta de seus
poemas me cativa mais, em face das crônicas teria facilidade.
Há uma que me comove muito e desde o título
convoca lágrimas “Do Papai” e como ele
foi original ao meditar sobre a institucionalização
do dia dos pais em detrimento da data natalícia dos
“velhos”! Parece que ao falar de figuras familiares
Drummond filtrou pela memória a luz diáfana
do tempo ao mostrar a ternura vertida em celebração
paterna, afetos maternais, carinho amigo.
Também fico com os olhos mareados com
a retomada drummondiana das cartas, uma constante em suas
crônicas. Mas nenhuma será maior e mais arrebatadora
do que a reflexão sobre Mario de Andrade e atenção
aos seus correspondentes jovens. Todo aspirante de literatura
deveria ler “Suas cartas”. Mas há tantas
outras... Lembro-me ainda, meio garoto, decorando o início
de “Fala, amendoeira” e repito com os olhos daquele
ontem: “este ofício de rabiscar sobre as coisas
do tempo exige que prestemos alguma atenção
à natureza – essa natureza que não presta
atenção em nós”.
E há casos engraçados nas peripécias
crônicas de Drummond. Uma, porém, merece atenção
pelo desdobramento cômico e conseqüente produzido.
Sob o título de “Garbo: novidades” o autor
destaca uma situação inédita vazada nos
seguintes termos: “Um semanário francês
publicou a biografia de Greta Garbo, e, embora não
conte nada de novo sobre esse fenômeno cinematográfico
desconhecido da geração mais moça, atraiu
a atenção dos leitores”. E, mais adiante,
insinua que o jamais explicado desaparecimento daquela atriz,
durante alguns meses em 1929, se deu por uma suposta viagem
a Belo Horizonte onde o “anjo azul” teria se hospedado
no Grande Hotel.
Segundo a lenda inventada pelo nosso intrigante
cronista, La Garbo teria se apaixonado pelo poeta, amigo de
Drummond, Abgar Renault com quem passeava tranqüilamente
nas alterosas. Com detalhes provocantes porque possíveis,
a história publicada no Jornal do Brasil virou um furo
jornalístico. E correu o mundo, não pelo nosso
cronista, mas pela verossimilhança. Para desgraça
da verdade, um dos leitores desta brincadeira foi um dos muitos
biógrafos da bela atriz que, pensando ser real aquela
broma, eternizou a brincadeira. Hoje, apesar de Drummond ter
desmentido a fantasiosa visita à capital mineira, esta
“explicação” compõe grande
parte das histórias da mulher mais enigmática
do cinema.
Este fato interessante, além de mostrar os ardis narrativos
do mineiro ilustre, revela a dimensão de uma história
bem contada. E contar história é um dos maiores
atributos da literatura brasileira. Para quem quiser comprovação
recomendo a leitura do volume único “poesia e
prosa de Carlos Drummond de Andrade”, de preferência
na bela edição da Nova Aguiar.
|